Por que o melhor design pode ser o mais óbvio
O vírus da originalidade e o medo de ser óbvio estão arruinando o design.

Me aproximo de uma porta com a intenção de entrar. Olho para ela: uma chapa de vidro e metal, lisa, sem uma única pista sobre seu funcionamento. Empurro ou puxo? Tento algo, mas falho. Finalmente, descubro uma pequena fenda, quase invisível, e consigo entrar, sentindo-me um pouco bobo. A culpa é minha? Não, é da porta. E essa porta é o sintoma de uma doença silenciosa, mas generalizada, no campo do design e da comunicação: o «horror à obviedade».
Fruto de sua característica lucidez, o mestre Norberto Chaves nos deixou este conceito tão esclarecedor que se explica assim: existe um tabu, um preconceito generalizado entre designers, comunicadores e profissionais de marketing que nos faz rejeitar instintivamente as soluções claras e evidentes. É assim que consideramos as soluções óbvias como de categoria inferior, desprovidas de engenho, indignas de um «criativo» como nós. E nessa busca desesperada por originalidade, damos um tiro no próprio pé; e o que é pior, damos um tiro no pé do usuário e/ou do nosso cliente.
O vírus da originalidade
Quantas vezes descartamos uma ideia por ser «demasiado simples»? Quantas vezes sentimos a pressão de «encontrar a solução engenhosa» para um logotipo, um anúncio ou uma mensagem, apenas para que nosso trabalho seja notado como «evidentemente criativo»? Este preconceito funciona como um vírus: instala-se nas escolas de design e nas agências, e nos convence de que criatividade é sinônimo de ruptura. Se as pessoas não entendem «a ideia», é porque não trabalhamos o suficiente. Jamais faremos a pergunta: «E se não fosse necessária nenhuma ideia mirabolante?».
Essa pressão autoimposta, pelo simples fato de «sermos criativos», contamina nosso julgamento. Faz-nos crer que um design que perdura é um design estagnado, superado pelo tempo. E que uma solução já vista é uma solução fácil, sem esforço. E assim, nos lançamos em um ciclo de redesigns desnecessários e propostas forçadamente originais que, em muitos casos, são piores do que as anteriores.
O resultado é um mundo cheio de objetos que causam frustração, de mensagens que não são entendidas, de marcas que funcionam mal e de campanhas cujo público não entende a piada. Priorizamos um pré-conceito sobre a função, o ego do criador sobre a necessidade real. E isso não é outra coisa senão má-práxis profissional.
Um caso concreto: o Bank of America encontrou um designer muito criativo que lhe propôs uma marca gráfica que expressaria a ideia do interior produtivo dos Estados Unidos, através de campos semeados representados em seu símbolo que, além disso, evoca a bandeira daquele país. Super engenhoso!, mas o que o banco ganhou com essa operação? Valeu a pena fazer esse aceno criativo em troca de carregar durante décadas um recurso identificador defeituoso, com enormes problemas de desempenho?1


A criatividade mal compreendida: o ego contra a função
O problema de fundo é uma concepção errônea e adolescente da criatividade. Acreditamos que ser criativo é romper com tudo o que é anterior e evitar sistematicamente qualquer solução que cheire a já vista, já testada, a evidente. Como se todo design tivesse um requisito universal muito mais importante do que os objetivos específicos e pedestres de cada caso. É preciso «surpreender», custe o que custar, ignorando o fato de que, na maioria das vezes, isso não é possível, que na maioria das vezes não é necessário, e que muitas vezes é contraproducente.
Nem sequer paramos para pensar quem supostamente devemos surpreender: o cliente, seu público, nós mesmos ou nossos colegas? Isso não está nada claro. Note-se que, dependendo de quem seja o destinatário da surpresa, os resultados deveriam ser inevitavelmente diferentes.
A verdadeira criatividade, como dizia Norberto Chaves, não é um ato de rebeldia caprichosa, mas sim um ato de pura inteligência. Consiste em encontrar a solução perfeita para o caso. E às vezes, muitas vezes, essa solução perfeita é a mais óbvia.

Pensemos no logo da Sony. Não precisou de um símbolo que expressasse a tecnologia e o som. Bastaram quatro letras desenhadas com uma mestria tipográfica impecável.2 É legível, potente, eterno. É óbvio, e é genial.
A maçã da Apple é um símbolo reconhecível instantaneamente, fácil de reproduzir e com um detalhe sutil: a mordida, que lhe dá personalidade. Sua força não está em uma mensagem fundamental condensada em um motivo ou uma forma, mas sim em uma iconicidade direta, óbvia e sem pretensões. O que surpreende na Apple não é o seu símbolo.
O óbvio muitas vezes é a solução perfeita
Defender o óbvio não é um convite à mediocridade, mas sim o contrário: é um apelo à responsabilidade profissional. Precisamos entender que nosso primeiro dever não é surpreender, mas sim ajudar a comunicar, ajudar a identificar, ajudar a funcionar...
Isso nos exige a humildade para aceitar que nem sempre é preciso reinventar a roda. Exige-nos saber quando uma solução não necessariamente engenhosa é a correta. E, acima de tudo, exige-nos convicção para defender uma solução óbvia diante de um cliente ou de um diretor que pede «algo mais criativo».
Da próxima vez que você se deparar com um problema de design, comunicação ou marketing, antes de buscar a ideia mais estranha e inesperada, pergunte-se: qual é a solução mais óbvia? Analise-a. Teste-a. E se funcionar, se for eficaz... não a descarte. Talvez você esteja diante de uma genialidade.
O gesto mais criativo não é encontrar uma ideia que ninguém teve, mas simplesmente ousar propor aquela que melhor funciona, por mais óbvia e pouco criativa que pareça.
- O caso do design de marca do Bank of America foi analisado em profundidade em um vídeo no canal do FOROALFA no YouTube.
- Alguma vez a Sony esteve prestes a cometer o mesmo erro que muitas grandes empresas cometem. Conheça essa história neste vídeo no canal do FOROALFA no YouTube.
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