A cultura do improviso
O improviso como heroísmo cotidiano e o planejamento como solução definitiva: confusões típicas de uma nação em desenvolvimento.
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No Brasil, temos por hábito embaralhar dois conceitos de maneira muito perigosa: criatividade e improviso. Não que isso não aconteça em outras partes do mundo, mas por aqui esses conceitos se confundem de maneira mais profunda, me parece. Em análises futebolísticas, por exemplo, é comum escutarmos que o diferencial do jogador brasileiro é a habilidade individual e a capacidade do improviso, sobrepondo-se à aplicação tática e ao jogo em equipe (essência de qualquer esporte coletivo). Estamos sempre esperando o drible mirabolante, a façanha heroica do último segundo, a mágica do improviso.
Por aqui, confundimos esses conceitos de tal forma que é comum entender o improviso como uma qualidade criativa superior, a formatação mais pura da originalidade em procedimentos e processos. Não fazemos isso por convicção ufanista, mas por ingenuidade: improvisamos por não saber planejar, e por desconhecer os benefícios de um bom planejamento. E assim criamos a cultura do improviso, percebida não só no futebol —ou no design— mas em todas as esferas da sociedade, sobretudo no âmbito de administração e gestão. Improvisamos no orçamento, no cronograma, na contratação e no planejamento: e chamamos de ‘jeitinho brasileiro’ essa nossa cultura do improviso. Acreditamos ser esse um recurso especial do nosso ethos nacional.
A grande verdade é que o improviso não é exatamente um recurso. Pelo contrário, o improviso é um processo oriundo da falta de recursos essenciais à boa realização de uma tarefa —como tempo, conhecimento e organização—. O improviso é a mais perfeita expressão da falta de planejamento.
Trazendo a discussão para o campo do projeto, quando o designer se vê obrigado a improvisar, é por que alguém falhou em alguma etapa de planejamento (inclusive ele mesmo). E o que percebo com uma frequência assustadora, é que os prazos por aqui são tão drasticamente exíguos que já ganharam a cor definitiva do improviso: «qual foi o último projeto que você não fez em regime de urgência?» Quando você aprende a improvisar para sobreviver, é por que passou a conviver com a sorte de forma rotineira e perigosa.
Diante de situações de crise e falta de tempo, nos habituamos a usar como procedimento padrão o improviso. Mas é justamente neste momento em que um (ainda mais) rigoroso planejamento se faz necessário, e acaba muitas vezes sendo responsável pelo sucesso de um projeto.
Por curiosidade, convém ressaltar que a cultura do improviso equilibra-se sobre uma falsa percepção estatística. O improviso funciona em apenas uma parcela mínima de situações, 5% talvez, mas quando prospera há enorme alarde sobre sua realização heroica. Por outro lado, quando falha, ou seja, nos outros 95% das vezes, atribuímos essa falha às condições emergenciais e externas do projeto, jamais à escolha operacional equivocada de se trocar o planejamento pelo improviso. Aos olhos do senso comum o improviso só acumula vitórias, por menores e mais esporádicas que elas sejam. E assim seguimos consolidando a cultura do jeitinho, da última hora e do improviso bem sucedido.
O que precisa ficar claro é que o planejamento não é um inimigo do processo criativo, uma antítese, um antagonismo. O planejamento não poda a criatividade, nem a limita, pelo contrário: o planejamento é um poderoso instrumento de otimização das ações, incluindo aí, obviamente, as ações criativas. O planejamento —e não o improviso— garante que a criatividade encontre seu próprio caminho, ritmo e formato.
Sem a pressão da falta de tempo que obriga o ser criativo a buscar sempre o golpe de sorte, o projeto pode trilhar suas etapas de maneira plena e profunda. Uma semana de imersão e não 12 horas de improviso. Planejamento não é sinônimo de criatividade, mas eu preferia ver esse tipo de confusão àquela mencionada na primeira frase desse texto.
Improviso e criatividade não deviam andar juntos com tanta frequência. Inclusive no futebol.
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