O que fazem os designers quando desenham?
Os designers exercem uma profissão cujos resultados são indispensáveis para a planificação industrial dos artefatos
AutorRaúl Belluccia Seguidores: 921
TraduçãoAlvaro Sousa Seguidores: 16
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Uma pergunta que volta e torna a voltar
A pergunta «o que é o design?» parece nunca ter resposta e volta sempre, como a carga de consciência, cada vez que o pensamento lhe deixa un espaço.
Quando muitos dos designers tem de classificar a sua obra, parece existir uma espécie de intranquilidade, angústia ou insatisfação espiritual: parece que uma descrição objetiva da tarefa de projetar não é suficiente, sentindo a necessidade de anexar à essência da atividade uns difusos fins éticos, uns compromissos sociais nunca definidos ou mesmo uma «função» artística que o «design» e os «designers» deveriam ter inscritos no seu ADN.
(Felizmente, para alívio profissional dos próprios designers, esta não é uma questão de princípios).
A realidade, para começar
A definição de uma tarefa socialmente alargada tem de ser retirada da realidade e não apenas de desejos. Então, basicamente, o «design» é o que fazem os «designers», quando «desenham».
Se o pensamento, num esforço para compreender a realidade sem a confundir com os seus sentimentos ou desejos, observa quem trabalha, verificará que há um grande número de indivíduos, principalmente nas grandes cidades, que se auto-intitulam de «designers» e ganham a vida a «desenhar» coisas que outros lhe pedem, geralmente a troco de dinheiro, e a quem esses mesmos outros também chamam de «designers».
Com estes dados pode-se afirmar que a profissão de designer tem um grau de singularidade e duração temporal suficiente para ter um nome próprio, e tanto a atividade como os que a exercem ganharam o direito de ser incluídos no vocabulário normal com palavras diferentes: «design» e «designers».
Note-se também que, dentro do conjunto de «designers», há indivíduos com visões políticas distintas e condições religiosas e econômicas muito diferentes, embora essas diferenças não alterem o seu caráter: todos são designers e, como tal, são reconhecidos pelas outras pessoas.
Pode então dizer-se que nem o design nem quem o faz, se constitui como um fenómeno marginal ou efémero, estando perfeitamente integrados nos mais diversos campos da vida social.
Mas, será que temos o afastamento necessário para vermos isso assim ou devemo-nos aproximar mais para entender, por exemplo, no que consiste e para que serve o design, ou a que é que se dedicam os designers?
Numa abordagem mais próxima da realidade somos alertados para o facto de que nem todos os designers fazem a mesma coisa, e que, sob o guarda-chuva comum do «design» se abrigam profissionais com propensões tão diversas que as suas prestações não são intercambiáveis. Como exemplo, um designer de moda não está capacitado, nem tem preparação, para desenhar um jornal.
É por isso que os designers, nos seus cartões pessoais, acrescentam a sua especialidade: gráfico, industrial, moda, interiores, etc.
Assim, cada grande família do design tem uma área de trabalho específica ou o seu próprio espaço: comunicação visual, produção de artefatos, habitat, persuasão comercial, moda, etc.
Mesmo dentro de cada família existem especialidades muito distintas, cujas semelhanças se reduzem ao mínimo quando comparadas com as diferenças. Se só muito dificilmente um arquiteto especializado em espaços interiores pode, com o mesmo grau de eficiência, desenhar um arranha-céus, que grau de parentesco terão um designer industrial dedicado à ortopedia, um designer de vestuário especializado em trajes para ópera e um designer gráfico dedicado à construção de páginas web?
Como chegar a uma definição de design
Determinar o que há de comum na atividade de todos os que trabalham e são socialmente reconhecidos como «designers» implica dar de caras com a definição de design.
A definição de «design» vem dar resposta à pergunta «quais as semelhanças entre os diferentes tipos de designers quando projetam?», da mesma forma que a definição de «felino» engloba as semelhanças entre um gato persa e um leão.
As grandes divergências
À primeira vista saltam à evidência as diferenças, sendo difícil encontrar aspetos comuns e sobreposições num panorama tão variado.
Uma definição verdadeira de design não se pode basear:
- No tipo de produto final, pois desenham-se coisas que vão desde mensagens publicitárias até máquina industriais, ou desde roupa interior até aviões.
- Na finalidade social, pois tanto se pode desenhar um jornal anarquista como um conservador; de automóveis poluentes até embalagens ecologicamente irrepreensíveis; conceber de roupa sofisticada até cadeiras ortopédicas; de casas sociais até mansões faustosas; etc.
- No tipo de contratante, porque tanto se desenha para o estado como para uma empresa privada; para uma petrolífera como para grupos ambientalistas; para uma multinacional como para una pequena cooperativa.
- No processo de decisão. Uma simples observação do trabalho dos designes trás à evidência a impossibilidade de descrever um método comum capaz de garantir soluções adequadas.
A pequena coincidência
Há, no entanto, algo de comum entre todos eles. Se olharmos atentamente, poderemos verificar no local de trabalho de qualquer designer (quer dizer, onde este desenha) que, antes de passar à fase de prototipagem ou produção, um produto está a ser planificado, seja este produto uma espingarda, uma cadeira, uma casa, um casaco, uma placa de sinalética, um logótipo ou um relógio.
Se tivéssemos com uma espécie de visão que permitisse observar, simultaneamente, todos os designers do mundo nas suas mesas de trabalho, iríamos perceber que todos eles estariam nalgum ponto de um processo que visa definir as características finais de um produto, antes de ser produzido e distribuído, fosse ele um cartaz ou um par de sapatos.
O caráter industrial do desenhar
Na nossa sociedade, a maioria dos artefatos que consumimos e usamos revestem-se de um caráter de «produto industrial». Quer se trate de um folheto para um partido revolucionário, de um cartaz para uma Ópera, da construção e equipamento de uma cadeia de sucursais de um banco ou de um aparelho de rádio, todos são considerados artefatos industriais devido às suas caraterísticas materiais e simbólicas, às suas funções, aos seus modos de produção, ao número de cópias a produzir, aos seus propósitos (económicos, culturais, políticos, sociais, etc.), à sua distribuição, às suas situações e condições de compra e uso, aos seus preços e custos, aos seus tempos de vida útil, ao seu grau de novidade e à oportunidade de lançamento. Todos eles são decididos e planificados com a maior antecedência e precisão possível, sendo por isso que a parte do modo industrial de produção e distribuição se afasta, definitivamente, da forma artesanal de gerar objetos.
Também é certo que existem, hoje em dia, formas de produção, serviço e comercialização, que não podem ser apelidados, a não ser de forma muito indireta (pequenos negócios em que o seu dono é o interface com o público, artesãos e técnicos que trabalham de uma forma muito pessoal, etc.), de industriais.
O merceeiro do bairro que fornece umas dezenas de vizinhos com os produtos que traz do mercado, não necessita de design, pelo que projetar-lhe um «logo» seria absolutamente supérfluo pois implicaria dotá-lo de signos que vão para além das suas necessidades e identidade.
No caso dessa mercearia necessitar de uma placa identificadora, deve ser o próprio merceeiro a pintá-lo ou então alguém da zona que pinte letreiros, podendo este, caso seja experiente, desenhar umas letras que combinem, em absoluto, com o negócio e escala do mesmo.
No entanto, se este merceeiro, por qualquer ironia do destino conseguir juntar recursos suficientes para montar uma cadeia de supermercados que atendem a milhares de compradores na cidade e, em seguida, a expandir para todo o país, deve recorrer com urgência ao design pois não lhe servirá qualquer nome, logótipo, cor identificadora, desenho do espaço de venda, etc., etc. O nosso amigo merceeiro defrontou-se com um problema tipicamente industrial e necessita, obrigatoriamente, planificar os detalhes comunicacionais e simbólicos do seu negócio.
Todo o produto industrial (e, no caso, é indiferente que se trate da comunicação pública de um museu ou de arquitetura de uma cadeia de fast food) é o resultado de uma série de decisões determinadas pelo contexto, onde as ligações carecem de independência absoluta e a sua autonomia é sempre relativa. E o design é uma daquelas ligações produtivas.
A definição estrita
O design é um serviço prestado a terceiros cuja especialidade consiste em determinar, antes da realização, as características finais e o modo de produção de um artefato, para que cumpra com uma série de requisitos pré-determinados: funcionais, formais, estéticos, simbólicos, informativos, identificadores, materiais, ergonómicos, persuasivos, económicos, etc.
Na definição do ato de fazer design não é possível ir muito mais além, porque tudo o que for para além disto implica sair daquilo que é comum ao ato para entrar no específico de cada ramo ou família do design.
Dito de outra forma, entre um designer de capas de livros para crianças e um designer de armas de fogo, se excluirmos o que é comum enunciado anteriormente, tudo são diferenças. Distinguem-se as técnicas aplicadas, as funções do produto, as capacidades e conhecimentos necessários para resolver o objeto, a forma de apresentação e protótipos ou maquetas, o tipo de cliente, os fins sociais, o caráter ou classe da criatividade aplicada, os aspetos materiais, simbólicos e estilísticos do produto final, os honorários, etc. No entanto, ambos fazem design.
É evidente que, para realizar o seu trabalho, cada tipo de designer deve possuir conhecimentos particulares e diferentes, assim como uma capacidade criativa adequada à sua especialização.
Quando do projeto de uma nova câmara fotográfica, intervém, seguramente, entre outros, o engenheiro eletrónico, o óptico, o fotógrafo experiente, o designer industrial, o designer gráfico e o publicitário, sendo que cada um deles o faz na sua área de especialização. Ainda que cada um projete coisas tão distintas como os circuitos e mecanismos, a forma exterior, as funções e sequências, a embalagem, o logótipo e as campanhas publicitárias, se olharmos para o fenómeno a partir de um ponto de vista mais geral, todos prestam o mesmo serviço, inevitável no atual modelo de produção da sociedade: planeamento antecipado e completo de um produto ou uma particularidade do mesmo.
Como é possível ver, a definição do trabalho dos designers é muito semelhante à da dos engenheiros. Se alguma diferença pode ser estabelecida, nos dias de hoje, entre ambos, esta será a importância que os aspetos simbólicos, estéticos, persuasivos e comunicacionais adquirem na tarefa dos designers.
Parágrafo final
Apesar de tudo, esta definição baseada na evidência quotidiana nem sempre satisfaz, havendo muitos insistem em definir o design em função dos seus desejos e não da realidade.
Os objetivos do trabalho são definidos por quem o encomenda, elemento sempre externo ao designer (embora excepcionalmente possam coincidir na mesma pessoa, as duas tarefas – encomendar e projetar – são essencialmente diferentes). O cliente tem seus próprios objetivos, e esses objetivos podem ser o consumo, a guerra ou a greve geral.
A tarefa do designer , ao aceitar um trabalho, é oferecer os seus serviços com a maior eficiência profissional possível para satisfazer o cliente. Se não estiver disposto a fazê-lo tem sempre a alternativa de recusar a encomenda.
Deve-se também deixar claro que o facto de aceitar uma encomenda de trabalho não obriga o designer a identificar-se com os fins de quem a fez.
O perfil do design na sociedade está condicionado pelo perfil de quem o solicita. Determinar o que se desenha, para que se desenha e que conteúdos transmitem os objetos que se desenham, não é responsabilidade dos designers.
Esta determinação externa dos objetivos dos ofícios e profissões não é um problema exclusivo dos designers. Os médicos devem sentir-se culpados pelo estado da saúde pública, os professores pelo analfabetismo ou os engenheiros pela manutenção das estradas e pontes? O déficit de casas pode ser atribuído à falta de sensibilidade social dos arquitetos? Os entraves serão, com certeza, outros.
Para que um designer intervenha na planificação de produtos para o bem comum, é necessária uma condição prévia: a existência de algum agente social cuja finalidade seja o bem comum (e que, para além disso, necessite de design para atingir os seus objetivos).
Sem encomendas externas, o design perde toda a razão de ser pois necessita de uma plataforma própria.
Este simples enunciado comprova-se de forma empírica: todo o designer sabe que para poder comer (e fazer design) necessita conseguir clientes.
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