O mesmo e o diferente

Para fornecer uma base real para a ideia de “originalidade”.

Norberto Chaves, autor AutorNorberto Chaves Seguidores: 3908

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Este artigo foi motivado por uma nota interessante de Raúl Campuzano, no seminário Tipología de Marcas do FOROALFA. Nela, Raúl colocou sobre a mesa os conceitos de “analogia” e “identidade”, com base em um texto de Enrique Dussel. E esses conceitos comprometem diretamente a ideia de “originalidade”, uma ideia recorrente nas reflexões sobre design.

Para ir direto ao ponto, é preciso partir de duas realidades:

  1. Tudo, absolutamente tudo, seja um fato natural ou uma obra do ser humano, está inscrito em um ou outro paradigma que associa tudo o que compartilha uma ou mais características. A singularidade não é um fato da realidade, e o cérebro não a concebe.
  2. Mas nada, absolutamente nada, é idêntico a qualquer outro membro de seu paradigma. A igualdade é uma categoria exclusivamente lógico-matemática.

E essa realidade está ao alcance da mente humana, que pode captar, simultaneamente, o mesmo e o diferente em cada fato real. Conhecer um objeto é inscrevê-lo no universo de seus análogos e, ao mesmo tempo, detectar suas diferenças em relação a todos eles. Todas as valsas são valsas, mas não há duas iguais. E isso é fundamental, pois o gênero (“valsa”) fornece as diretrizes para a interpretação da peça (O Danúbio Azul). A identidade de tudo o que existe está localizada no ponto de interseção desses dois eixos: semelhança e diferença.

E isso é válido até mesmo para o mesmo objeto. Não sei quantas interpretações de O Danúbio Azul já foram feitas até hoje, provavelmente vários milhares. Será que poderíamos encontrar duas idênticas? Vamos ilustrar isso com um evento contemporâneo. Uma orquestra grava essa valsa para uma editora e, no dia seguinte, a executa ao vivo, sob a mesma batuta. O Shazam, que memorizou a versão gravada, não a reconhece ao ouvir o concerto. O que aconteceu? Simplesmente, a memória acústica do Shazam é tão ou mais fina do que o ouvido de um amante da música; e a valsa que o sistema estava ouvindo não correspondia à que permaneceu em sua memória. Nada é igual, nem mesmo para si mesmo. E, se insistirmos em encontrá-lo, não teremos escolha a não ser procurá-lo na produção industrializada, que transformou o objeto em série. Em outras palavras, a trapaça.

Tudo o que foi dito até aqui é pura verdade, mas no século XX, o eixo da igualdade começou a entrar em crise. Após as grandes mudanças nas artes, na arquitetura e na produção industrial (que forçaram o surgimento do design), a expressão “ruptura cultural”, entre outras, tornou-se muito difundida. A intenção era destacar o caráter radical dessas mudanças. Na realidade, trata-se apenas de uma metáfora que, se tomada em seu sentido amplo, leva ao erro de supor que na cultura é possível produzir “do zero”. Na cultura, a ruptura é impossível. A noção de “ruptura cultural” negligencia um desses dois eixos.

Em uma reunião da diretoria da ADG (o grupo de design gráfico de Barcelona) com Milton Glaser, um colega pediu sua opinião sobre “as novas linguagens gráficas”. Glaser – de cujo talento criativo ninguém duvida – respondeu: “novo” e “linguagem” são termos incompatíveis; pois se a linguagem é nova, a mensagem não é compreendida. Uma verdade esmagadora: todas as linguagens sofrem mutações, mas nenhuma linguagem nasce do nada.

Nos setores de produção cultural, a falta de familiaridade com os discursos teóricos (antropologia, linguística, semiótica, história da cultura...) e sua restrição ao discurso coloquial permitiram o florescimento de noções arbitrárias, mais derivadas da vontade do que da razão. E essa vontade é impulsionada pelo mito do “progresso cultural”; um mito que foi suficientemente desmontado por várias vertentes das ciências sociais e da filosofia.

Em suma - e para retomar a reflexão de Campuzano - não se trata de uma questão de “singularidade”, mas de “grau de singularidade”. Produtos de design excelentes beiram o padrão, estão inscritos na “pequena diferença”; e outros, igualmente excelentes, aproximam-se do inédito, sem deixar de reconhecer “o que são”.

Tanto a semelhança quanto a diferença são características inexoráveis. O talento do criador está em detectar o meio-termo certo em cada caso. No design, a singularidade não é uma obrigação, mas, por um lado, um resultado inevitável e, por outro, um objetivo “dosável”.

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