Marca cromática e semântica da cor

A significação da cor motivada pela associação do signo com códigos pré-existentes e a significação da cor pela progressiva convencionalização da relação arbitrária.

Norberto Chaves, autor AutorNorberto Chaves Seguidores: 3911

Luiz Claudio Gonçalves Gomes, tradutor TraduçãoLuiz Claudio Gonçalves Gomes Seguidores: 46

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No manual de identificação gráfica de uma rede internacional de centros educacionais se lê o seguinte: «O azul representa o ardente desejo de conhecimento dos jovens. O vermelho remete ao fogo regenerador da instituição». Este tipo de verbalização do significado das cores prolifera em manuais e apresentações orais do design de marcas. O caráter arbitrário dessas atribuições de sentido salta aos olhos: o significado daquelas cores poderiam ter sido igualmente explicado mediante qualquer outro argumento. Vamos tentar: «O azul corresponde à cor do planeta cujo cinco continentes exercemos a docência, cor internacional por excelência, e o vermelho faz alusão à cor da bandeira do país de origem de nosso grupo».

Em ambos os casos trata-se de atribuições de significados unilaterais e arbitrários, ou seja, significações inventadas pelo emissor independentemente dos códigos sociais que permitem uma decodificação direta, imediata, unânime pelos receptores. Por outro lado, se o emissor deve explicar o significado de uma cor isso significa que tal significado não é evidente. O que implica dizer que esse não é seu real significado.

O significado de uma cor só é unânime, ou seja, comunicacionalmente eficiente, quando seu uso o associa de modo unívoco a um determinado contexto, no qual determinada cor já está socialmente codificada. Se eu vejo, em Barcelona, uma pessoa com uma camiseta verde e amarela na semana da copa do mundo de futebol não terei a menor dúvida de que estou diante de um torcedor da seleção brasileira: camiseta + copa do mundo + verde/amarelo = torcedor do Brasil. Fora desse contexto pode significar simplesmente «pessoa pouco elegante».

O significado de uma cor não é intrínseco, mas determinado pelos códigos operantes no contexto em que se apresenta. O vermelho — a cor das cores — pode significar: perigo, fogo, paixão, sangue, comunismo, o próprio diabo, e sabe se lá quantas coisas mais. E pode ser utilizado eficientemente com função identificadora pela Coca-Cola, Avis, Marlboro, o Partido Comunista, Peru, Canadá, ou pelos «diabos vermelhos» do clube Independiente de Avellaneda.

Em síntese, quando um manual de marca diz que «o vermelho remete ao fogo regenerador da instituição» o único que está confirmando é: «Decidimos unilateralmente atribuir este significado à cor vermelha; se vocês captam isso ou não, é o que menos nos interessa». Ou seja, a cor nesse caso carece de toda utilidade comunicacional. Somente funcionará como identificatório quando seja convencionalizado por seu uso intensivo, infalível e prolongado. E, a partir daí, o receptor tampouco verá «o fogo regenerador» mas simplesmente dirá: «é vermelho porque esta é a cor institucional dessa entidade». E é isso o que temos que conseguir quando se atribui uma determinada cor à uma marca, e descartar toda pretensão narrativa... A menos que a associação já esteja socialmente implantada e, portanto, acelere o processo de decodificação ou leitura.

Tem pessoas que consideram a cor verde como significado inequívoco de «ecologia» e, na bandeira do Greenpeace, verdadeiramente significa. Mas em épocas pré-catastróficas o verde era a cor da esperança. Portanto, hoje poderíamos ler nela «a esperança de que o planeta se salve» (mera esperança). Ainda assim, em uma caixa de leite o verde significa «semi desnatada», e nos semáforos «pode avançar». Ou seja, não estamos sustentando que as cores não transmitam significados, mas sim que transmitem os significados ditados pelo contexto e as convenções nos operantes.

Utilizar o azul para criar a marca «Japão» seria fazer um gol contra para o cliente. Certamente que muitos são os gols contra observáveis na tarefa criativa de especialista em branding. Em uma das marcas «Alemanha» um célebre designer internacional recorreu à bandeira (sensata opção) mas substituiu o preto pelo azul: era mais «amável» (flagrante insensatez).

O simples sentido comum nos dirá que uma festa de aniversário do Barça não pode ser ambientada com outras cores que a combinação «blau-grana» que é sinônimo coloquial de «Barça»,1 assim como «azul e ouro» habitualmente é utilizado para se referir ao Boca Juniors.2 Em síntese, existindo uma cromática instituída, toda «originalidade» é vã. A «falta de originalidade», autêntico tabu da criação, é nestes casos o correto.

A cor de uma marca comercial pode justificar-se simplesmente por ser a única cor disponível em um setor ultracompetitivo. Neste caso, um forte motivo. Mas esta livríssima atribuição de significados não se esgota no campo das cores: a tipografia, a iconografia, todo signo gráfico é vítima da compulsão semantizadora.

Vale então repetir (ainda que de nada sirva): não é que signos não signifiquem (não é por acaso que os chamamos «signos»). Simplesmente trata-se de ter claro que não significam o que a pessoa deseja que signifiquem. Para escolher um signo (cor, letra, desenho...) e com ele construir uma peça gráfica é, precisamente, indispensável detectar as associações — conscientes ou inconscientes —  que, em seu contexto de uso, despertará no imaginário social. Não é fácil.

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  1. N. do Tradutor. No Brasil, equivaleria a dizer «colorado» para os torcedores do time gaúcho Sport Club Internacional.
  2. N. do Tradutor. No Brasil, o Clube de Regatas do Flamengo é nacionalmente conhecido como «rubro-negro».
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