Duas distorções no ensino de Design Gráfico

Teorismo e criativismo, duas visões opostas que, paradoxalmente, convivem sem conflitos, confundindo o caráter do exercício da pratica do design gráfico.

Norberto Chaves, autor AutorNorberto Chaves Seguidores: 3911

Bernardo Henrique, tradutor TraduçãoBernardo Henrique Seguidores: 1

Duas distorções no ensino de Design Gráfico
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Grande parte dos problemas do ensino do design gráfico no México (e é de se supor que em muitos países latino americanos) provêm de uma concepção distorcida da profissão, na qual predominam dois preconceitos: teoricismo e creativismo.

Ditas distorções – claramente originadas de uma enorme separação entre ensino e prática profissional – apresentam duas características que as fazem interessantes como fenômenos do imaginário coletivo:

  • são de uma profundidade e uma tenacidade altas, próprias das crenças míticas, o que às faz dificilmente reversíveis, e

  • são, abertamente contradições entre si, feito que prova sua natureza mítica: a contradição racionalmente evidente não as põem em crise.

A primeira distorção consiste em não reconhecer ao design gráfico seu caráter de profissional, ou seja, de trabalho produtivo em um campo específico; trabalho que, a través da experiência, acumula uma série de habilidades e saberes práticos, ancoradas nas condições empíricas, particulares e modificadoras da comunicação concreta e que se transmite e enriquece de geração em geração, materializando assim sua própria evolução como disciplina produtiva.

Em seu lugar se concebe ao design gráfico – implícita ou explicitamente – como uma simples «teoria aplicada». Supostamente, o exercício do design seria guiado por uma teoria prévia e autônoma em respeito à pratica e suficiente para com resultados igualmente válidos.

E, mais ainda, dita concepção tende a considerar que o critério de avaliação da prática é a obediência a ditos preceitos teóricos, e não à eficácia comunicativa real do produto de design: assim, o trabalho de luthier [expressão para simples fabricante de instrumentos musicais do século XVI]se confirmaria mais pelo respeito de um tratado sobre a construção de guitarras que pelo som das mesmas.

A comunicação gráfica e seu design, por esta visão, constituem feitos absolutamente apreensivos e possível de aprender por meio das ideias, resultando supérflua qualquer outra via de captação de do fenômeno gráfico e de intervenção sobre ele: a intuição, a memória, a sensibilidade, a experiência e reiteração, a observação, a compilação de imagens, etc.

A prova do anterior é a ausência de todo hábito de observação e análise do campo gráfico real, o exercício de olhar e desenvolver uma verdadeira cultura visual. Não se tem informação sobre o estado atual da produção gráfica mundial nem sobre sua história. E até se desdenha de quem possui grandes coleções de revistas e bibliotecas gráficas. O design gráfico não se descobre nem se aprende: se reinventa do nada.

Esta reinvenção permanente confirma a hipótese do rechaço da ideia de profissão: para esta concepção o design gráfico não é um acervo de tipologias, linguagens, recursos e elementos gráficos acumulados historicamente, senão uma «disciplina racional» que permite obter de uma ideia uma mensagem sem passar pelo conhecimento dos paradigmas gráficos abordados pela profissão propriamente dita.

Dita «teoria» vem mantendo-se, além do mais, de disciplinas teóricas propriamente ditas, ou seja, não vinculadas à outra prática que não a especificamente teórica: semiologia, linguística, psicologia, sociologia. Se chega a acreditar – implícita ou explicitamente – que disciplinas como a retórica, a estética, hermenêutica[técnica de interpretação de textos]servem efetivamente como meios de formação do designer. Estes discursos teóricos tem um papel importante na formação do designer senão na de qualquer pessoa interessada no estudo da cultura.

Mas, estas ciências básicas, confundidas com uma autêntica teoria-da-prática-do-design, ocupam seu espaço e, de tanto que ocupam seu espaço, atrasam seu desenvolvimento.Se trata claramente de um erro na percepção da relevância destas teorias.

A teoria se subcontrata a científicos cujo discurso em nada incide sobre a capacitação do designer. Resultado: da disciplina propriamente dita irá se prosseguir sem se saber o que é, nem como se exerce.

O espaço entre estes discursos subcontratados e a prática efetiva do design é um verdadeiro abismo: depois de assistidas as classes sobre hermenêutica, o aluno permanece virgem igualmente subcapacitado para o design.

A direta e real eficácia destas disciplinas (sem dúvida úteis no desenvolvimento da capacidade intelectual), somente de integram plenamente quando instalado um discurso específico acerca dos processos reais da produção do design, que descobre e explica esse modo de produzir mensagens. E a ausência do el o de uma autêntica «teoria-da-pratica» com estas disciplinas não excede a função superficial ou de passatempo desnecessário.

Estas disfunções se multiplicam se olharmos de frente e com sinceridade o perfil do estudante típico de design gráfico que, não só está longe da retórica senão que nem sequer manifesta interesse pela gramática. Falar de Hermenêutica para um estudante de design gráfico é desconhecer ao verdadeiro interlocutor. (Mas isto é farinha de outra questão).

Este desvio teoricista é um fenômeno ideológico cujas raízes são relativamente fáceis de detectar:

  • o escasso desenvolvimento da profissão e a escassa presença de profissionais na docência, responsabilidade que é assumida pelas pessoas que praticamente desconhecem o ofício.

  • a injustificada inscrição das vagas de design gráfico em âmbito universitário, o que encoraja sua assimilação mecânica ao modelo das vagas propriamente universitárias e, por tanto, possuidores de um currículo teórico sólido.

  • a forte corrente ideológica e teoricista e o gosto pelo discurso especulativo e o entusiasmo «científico» que impregna as comissões de professores universitários latino americanos

  • esta corrente é especificamente forte nas universidades públicas, onde o saudável pensamento utópico e o saudável rechaço do tecnocratismo se degradam em uma autêntica fobia idealista à realidade, quando não em uma franca depreciação pelo trabalho produtivo e um culto à sobrevivência parasitária.

A segunda distorção, abertamente oposta à anterior, é mais universal e compartilhada com as vagas mexicanas de design gráfico como também em todo o mundo: o mito que localiza à criatividade no núcleo ontológico [relacionado com o ser humano tendo caráter metafísico] do design.

Este mito renega a teoria, a racionalidade e os próprios condicionantes do programa: a resposta criativa faz eclodir como uma pura manifestação do talento imanente [interno] do designer.

Sobre o caráter distorcido deste mito e sobre sua equivocada relação com a arte, tudo se tem dito e não cabe agregar aqui. O que importa assinalar é que ambas distorções coincidem em uma franca depreciação pela cultura gráfica real, pelo fundo e patrimônio gráfico e pelo seu papel, absolutamente prioritário, na formação do designer.

A cultura gráfica é depreciada pelo teórico, que sente fobia por quase todo saber prático ou «verdade empírica». E é depreciada pelo criativo, pois ofusca sobre a disciplina e a originalidade do «design do autor». O primeiro sustenta que a mensagem gráfica é uma secreção do cérebro esquerdo; o segundo, se outra glândula, ainda não localizada. Ninguém quer aprender um ofício que reconhece a toda vaga acadêmica e que evoluciona, afortunadamente, com autonomia em relação ao que acontece no corpo docente.

Assim como nas escolas de design gráfico europeias (e, nem há que dizer, nas espanholas) existe uma preocupação pelo seu escasso desenvolvimento teórico e pela debilidade de recursos conceituais para contextualizar a prática, nas universidades de design latino americanas há necessidade de preocupar-se por sua pouca inserção na prática do ofício e, inclusive, por seu afastamento com relação a cultura gráfica concreta.

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