Design, o que pode ser?

O quanto que o design contribuiu para a evolução da espécie.

Rique Nitzsche, autor AutorRique Nitzsche Seguidores: 273

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Para mim, cada palavra é uma jornada que se torna material. Meu grande desafio foi tentar entender a jornada da palavra design.

O filósofo e lógico Willard Quine argumenta que as definições das palavras são variáveis, imprecisas e discutíveis, o que pode impossibilitar a atingir a sinonímia necessária para tornar verdadeira uma afirmação analítica. Para Quine, o único critério seguro, viável e aceitável para se decidir entre a verdade ou falsidade de uma sentença é o critério de evidência empírica, ou seja, baseado na experiência e na observação, metódicas ou não. Quine é um caminho à busca da perfeição ou da precisão.

Meus textos não são dedicados a estabelecer verdades, nem a construir um dicionário sobre o design. Me dá prazer em navegar no conhecimento que existe, juntando o que diversos especialistas já pensaram sobre o assunto. Depois, filtrar através da minha observação e experiência para gerar um novo pensamento.

Meus assuntos não são focados em negócios, mas em seres humanos. É verdade que um bom design aumenta o valor dos empreendimentos humanos. Bom design é sempre bom negócio. Mau design é irrelevante e desperdício de tempo e energia, as duas variáveis mais valiosas para a vida humana. Meu objetivo é mostrar como o design sempre foi indispensável para a sobrevivência da nossa espécie. Acredito que o design consciente ainda pode salvar o planeta do design inconsciente, rápido, desleixado, reativo e egoísta que está tornando material uma crosta sólida ao redor do planeta.

«Em todo o curso da história humana, a deliberada e sistemática produção de ferramentas é o maior e evidente exemplo de processo de envolvimento entre humanos (ou hominídeos) e o mundo material. Retirar um objeto do ambiente tangível para formatá-lo e usá-lo [de volta] para agir sobre o mundo real, é uma etapa fundamental [da história da humanidade]».

Colin Renfrew, arqueólogo, em 2007.

«Se você voltar seis milhões de anos no tempo, o que nos tornava humanos era estarmos andando eretos. Se for para 2,6 milhões de anos atrás, seria o fato de estarmos projetando [designing] e produzindo ferramentas de pedra».

Donald C. Johanson, paleoantropologista, em 2009.

«Os primeiros indícios de produção de ferramentas datam de aproximadamente 2,5 milhões de anos atrás, e a manufatura e o uso de ferramentas são os critérios pelos quais os arqueólogos reconhecem humanos antigos».

Yuval Noah Harari, historiador, em 2012.

Os atuais aparelhos de registro de neuro-imagem funcional revelam que a capacidade de projetar e usar ferramentas surgiu do desenvolvimento evolutivo de um «sistema operacional» mental. O comportamento no uso de ferramentas atravessam as fronteiras tradicionais entre os processos sociais, cognitivos, motores e perceptivos. Sem um manual de uso disponível, nossos antepassados intuíram que as pedras poderiam ser transformadas. A iniciativa em tentar e continuar tentando tanto gerou um conhecimento sobre as ferramentas e seus usos como desenvolveu a competência necessária para executar essas ações. Simultaneamente, estávamos criando ferramentas e construindo uma parte do cérebro para lidar com isso.

O uso de ferramentas entre os humanos antigos nos traz uma percepção de que a prática do design é tão antiga no tempo que nem é mais percebida. Como o ar que, depois de entrar nos pulmões de um recém-nascido, deixa de ser um elemento estranho, frio e ardido. Nos acostumamos a respirar sem prestar atenção que o ar está fora e dentro de nós simultaneamente. Alimentamo-nos dele, sem sentir. Nos assustamos quando o ar nos falta, ou está poluído ou frio demais. Assim, também somente percebemos o design que nos envolve quando ele nos falta ou nos encanta.

«A lista completa de atributos comportamentais, unicamente humanos, recentemente adquiridos devem ter surgido durante o longo processo de crescimento do cérebro que começou com a expansão do novo uso de ferramentas inovadoras e criativas pelo H. habilis». O conceito do neurologista Frank Wilson é que a mão pode não ser um legado incidental do nosso patrimônio físico, mas uma força elementar na gênese da mente, da linguagem e da cultura.

A atividade de construir instrumentos tanto serve hoje para que nós possamos localizar os humanos antigos no tempo como serviu para ajudá-los a construir seu próprio cérebro: a atividade do software contribuindo para a evolução do hardware, a dinâmica do conteúdo formatando o continente. A prática diária do design tanto gera algo para fora do indivíduo (no caso, as ferramentas), como ajuda a alterar o próprio funcionamento do cérebro e a anatomia do corpo humano (para dentro do indivíduo). As habilidades manuais e a linguística dependem das mesmas estruturas cerebrais que aumentam a capacidade de interagir com o meio ambiente.

Uma outra pesquisa dos biólogos evolucionistas Katherine Zink e Daniel Lieberman, mostra que a inter-relação entre as ferramentas líticas e a ingestão de carne criaram um círculo virtuoso. Algumas ferramentas nos permitiam caçar animais de maior porte o que melhorava a alimentação do grupo. Outras ferramentas de corte mais eficientes ofereciam uma oportunidade de diminuir os pedaços de carne que ingeríamos o que facilitava a digestão. A proteína alimentava o corpo, o que ocasionou a diminuição do processo digestivo e o aumento do cérebro que, por sua vez, era estimulado a desenvolver ferramentas cada vez mais precisas que melhoravam o exercício da caça. Melhores instrumentos reduziam o consumo de energia na mastigação o que transformou a estrutura dos dentes, da boca e do pescoço, auxiliando o desenvolvimento dos órgãos relacionados à fala.

Assim, a prática do design contribuiu para o desenvolvimento do cérebro e salvou a espécie do quase colapso há 70 mil anos atrás na longa seca africana. O exercício do design está intrinsicamente fundido na formatação do comportamento humano. Praticamos design sem perceber, assim como o peixe não percebe o líquido no qual está imerso. A diferença é que o processo do design está dentro da espécie humana, impregnada no nosso cérebro.

O design começou a conquistar valor quando construímos instrumentos que repetiam mecanicamente as atividades humanas. Na Revolução Industrial, as máquinas imitavam o trabalho dos braços e das mãos. Hoje, a inteligência artificial é encarada como uma possível ameaça à nossa espécie.

Inventamos a palavra design e, com o tempo, agregamos outras palavras diferenciais que nos interessavam. Como o design é onipresente em todas as atividades humanas, não é surpresa que ele seja infinitamente múltiplo. Fica mais fácil descobrir o design em profissões projetuais, como a arquitetura e a engenharia nas quais as manifestações são físicas. Mas design está presente nas mais variadas atividades como cozinhar, escrever ou resolver problemas matemáticos. Podemos fazer isso com mais ou menos arte, com mais ou menos dedicação, superficialmente ou com profundidade, de forma banal ou sublime.

Não foi isso o que aprendi na minha escola de formação, mas é o que penso e acredito hoje. Para chegar aqui me interessei por outras disciplinas e, principalmente, conversei com muitas outras pessoas que tinham pontos de vista e habilidades mentais diferentes das minhas. Aprendi com os outros, aos quais agradeço a generosidade em compartilhar conhecimento.

Design é tornar tangível uma intenção de transformação. Para tal, precisamos uns dos outros, dos diferentes saberes, das diferentes tendências, da irreverência corajosa dos jovens e da experiência cautelosa dos mais velhos. Somos todos designers à procura da sobrevivência.

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