Design e dinheiro

Para que seguimos a carreira de designers? Por lucro ou altruismo? O que passamos com o dinheiro é o que subordina as respostas destas perguntas.

Alvaro Magaña, autor AutorAlvaro Magaña Seguidores: 96

Abc Design, tradutor TraduçãoAbc Design Seguidores: 23

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Araíz do artigo Todas esas cosas que no son diseño que eu publiquei no FOROALFA rendeu uma breve troca de opiniões por e-mail com uma designer colombiana que me dava como promotor do Design Cartesiano por causa do conteúdo de meu texto. Design Cartesiano é um conceito usado por Ramiro Espinoza1 para se referir a quem, tendo abandonado o altruísmo, faz design «como se fossem técnicos», veiculando «expectativas alheia, renunciando a toda sublimação e podando seu Eros criativo [...] um sujeito alienado que não terá consciência de seu papel na sociedade e que, portanto, será incapaz de reformulá-lo».

Eu não poderia estar mais de acordo com o processo descrito no artigo de Espinoza a respeito das evoluções e finalidades do design, mas, naturalmente em completo descordo com as conseqüências e definições derivadas deste ponto de vista, como as que, certamente, trazem consigo não somente as palavras que descrevem uma situação que, para Espinoza e para a designer que opinou sobre meu texto, não poderiam ser mais indesejáveis (designers trabalhando apenas por dinheiro) mas também uma crença sobre o que é a técnica, a dependência a criatividade e o papel econômico do design.

A designer me dizia que, no fundo, lhe causava tristeza o fato de que há designers que somente trabalham por dinheiro. Esta constatação, da qual não posso me esquivar nem mesmo desvalorizar, creio que é um exemplo muito claro da profunda crise das vocações profissionais em paralelo ás promessas sociais relacionadas com a educação, dilema que não é exclusivo do design.

Para muitos a vocação, ou o chamado para exercer uma determinada disciplina, não está associada à recompensa econômica como padrão de medida de êxito. Esta idéia aparece freqüentemente em discursos, por vezes com aspectos místicos e voluntarista, de pessoas que tiveram considerável sucesso (quase todo mundo já deve ter ouvido o discurso de Steve Jobs em Stanford, ou, em uma menor escala, a prostituição de alma de Frederico Luppi no filme «Lugares Comuns»2). Luppi faz o papel de Fernando, um pai que diz ao filho que ele o traiu por não ter seguido sua vocação: «o que gosta», o que o «comove». Seu filho responde que seu trabalho «o entretém e lhe faz bem», que está dando «um futuro» a seus filhos e esposa (vocês têm que ver esse filme!). Ou discursos de pessoas que muito possivelmente amam seu trabalho sem ter tido o mesmo êxito de Jobs.

Concordo que a maior parte da contribuição que o trabalho pode fazer na vida de uma pessoa é independente da recompensa econômica. De fato, a auto-realização, em sua mais ampla acepção, permite abranger diversas recompensas: reconhecimento (que nem sempre resulta em riqueza material), comodidade existencial (sentir-se bem independente da situação), sentimento de dever cumprido, etc. Ao mesmo tempo, esse sentimento de estar bem consigo mesmo implica em uma dose de liberdade que na sociedade de mercado —que viu nasceu o design e que o nutre permanentemente está relacionada ao poder aquisitivo, à gestão do dinheiro e habilidade financeira em todos os níveis: desde fazer maravilhas com um orçamento baixo até saber investir os excedentes em uma bem sucedida operação comercial.

Tudo que foi dito está muito bom, ainda que não tenhamos falado de formar comunidades auto-abastecidas e baseadas na troca ou de explodir o sistema econômico para «liberar» a ninguém, como fala o filme Clube da Luta.3

Estamos falando de uma sociedade em que a aprendizagem de uma profissão deriva de uma necessidade social ou de uma falha de mercado, que requer pessoas capacitadas e com as competências adequadas para resolver tais necessidades e falhas. Além disso, devemos considerar que neste mesmo cenário, a educação também é um negócio legítimo, e, como todo negócio, se sustenta nas promessas de satisfação do consumidor e na troca de dinheiro.

Certamente as escolas de design exploram argumentos para atrair matrículas como cumprir sonhos, seguir a vocação, explorar os talentos e, por consequência, ser útil ao país, à empresa, ao futuro, etc. Assim —mesmo que na promoção da educação profissional nunca se fale em assegurar trabalho, campo ocupacional nem opções de desenvolvimento que não sejam acadêmicas (exceto poucas exceções)—, creio que é justo que a educação do design se encarregue da complexidade em compatibilizar vocação, talentos reais, desenvolvimento de habilidades técnicas e sociais com as demandas reais, sejam elas já explicitas na indústria e no comércio, ou sejam elas necessidades concretas da população sem acesso ao apoio do estado.

Uma opção não descarta a outra. Acredito que o ensino humanista, em sua definição mais genérica, é necessário para qualquer tipo de educação. Mas o foco desmedido que ele recebeu em nossa disciplina gerou um problema duplo para quem exerce a profissão: a conversão (que é quase uma apostasia às crenças acadêmicas com raízes antigas) do mundo ideal da academia ao mundo cru do trabalho e da imagem arraigada de que o perfil do designer se aproxima mais a de um anarquista boêmio (geralmente mal preparado para enfrentar o mercado, os clientes ou qualquer tipo de instituição não educativa) para uma imagem de assessor estratégico ao serviço das empresas e de seu país.

Isso é sinal, em minha opinião, de um conflito muito estranho entre as crenças acerca daquilo que representa o conhecimento «humanista» e artístico para o designer e o que na realidade são «as artes e as humanidades», se é que tais conceitos são factíveis de serem definidos com um objetivo claro para o design (se é que, por sua vez, este é factível de ser definido para o bem estar de quem o exerce).

Será que, ao contrário, temos que definir a relação das profissões (a nossa em particular) com o dinheiro?

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  1. Designer e tipógrafo argentino atualmente baseado na Holanda na Re-Type.
  2. Lugares Comunes – Dir. Adolfo Aristarain, Argentina, 2002. Cena:
     
  3. Filme 1999, de David Fincher, no romance de Chuck Palahniuk. Parlamento da cena citada: «No mundo que vejo, você está perseguindo alce pelas florestas úmidas ao redor das ruínas em torno Rockefeller Center. Está vestido com roupas de couro que vão durar para o resto de sua vida, você subir as videiras de espessura que envolvem a Torre Sears. E quando você olha para baixo, você vê figuras minúsculas batendo milho e tiras de colocação de veado na pista vazia de uma estrada abandonada».
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