O teste da marca corporativa
A irrelevancia da opinião pública nas decisões estratégicas.
AutorNorberto Chaves Seguidores: 3911
TraduçãoLuiz Claudio Gonçalves Gomes Seguidores: 46
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A marca corporativa em sentido estrito, ou seja, a marca de uma organização com estratégia de branding independente de seus produtos ou serviços, é a que apresenta menores dificuldades para seu design. Pois só guarda relação de servidão com o posicionamento estratégico, ou seja, transcendente a todo registro imediato ou conjuntural. O «target» da marca corporativa não é nem o usuário imediato nem seu mercado real, mas a sociedade em seu conjunto. Isso significa que os códigos que devem respeitar seu design são os que permitem localizá-la nos paradigmas corporativos de seu setor garantindo sua excelência gráfica, sua longevidade e seu exato grau de singularidade.
De modo algum esta tarefa poderá se tornar difícil para o designer experiente. Ainda assim, o design de uma marca corporativa deve satisfazer uma série extensa de condicionantes: a experiência profissional permite detectar umas quinze. Estas condicionantes atuam como parâmetros do design e avaliação das marcas e sua incidência é específica, ou seja, que o predomínio de parâmetros sobre outros varia segundo cada caso. Portanto, a garantia de qualidade e pertinência do design da marca permitem duas habilidades do designer:
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sua capacidade para detectar de maneira objetiva e exaustiva os parâmetros pertinentes ao caso e o grau de prioridade e intensidade com que deverá satisfazer cada um; e
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sua idoneidade na aplicação desses parâmetros ao design; ou seja, a riqueza de seus recursos gráficos e de seus critérios de seleção e combinação, e sua sensibilidade para registrar matizes de sentido e obter uma «sintonia fina» no ajuste ao caso.
Estes parâmetros, conforme dito são inúmeros, podem se dividir em dois grandes grupos: aqueles que garantem o ajuste ao perfil (estilo, tipo marcário, vigência, etc.) e aqueles que garantem o ajuste às condições de comunicação (legibilidade, pregnância, suficiência, etc.). O design de marcas corporativas, assumido com idoneidade profissional, elimina praticamente toda margem de erro, pois substitui as propostas puramente intuitivas por soluções ajustadas a requisitos específicos previamente detectados. Se no design de marca corporativa são considerados e satisfeitos todos os parâmetros de qualidade e pertinência específicos do caso, a marca projetada responderá ao perfil estratégico da organização. Esse perfil contém necessariamente os atributos valoráveis por sua audiência estratégica e, ao ser respeitado, ficará implícito o reconhecimento público.
O especialista em design de marca corporativa necessariamente domina os códigos socialmente vigentes e estáveis (a marca é estratégica e, portanto, de longo prazo); códigos que permitem registar aqueles valores (classicismo, modernidade, culturalidade, tecnicidade, solidez, dinamismo, elegância, etc.) e, em função disso, definir os traços gráficos mais adequados da marca. O designer, por seu próprio ofício, sabe prever as conotações do grafismo na leitura social, leitura que, ademais, se consolidará com o tempo pela coerência do discurso da organização.
Por outro lado, graças à satisfação dos parâmetros de rendimento, a marca projetada também responderá eficazmente às condições de comunicação da organização (distância, velocidade, iluminação, tamanho, etc.). Cumprindo com idoneidade profissional todos estes requisitos, a marca projetada ficará suficientemente verificada. Sua qualidade e pertinência será inquestionável e, portanto, qualquer outra prova será supérflua, tal como os «testes». A marca corporativa é estratégica, ou seja, carece de funções táticas: sua eficácia identificatória se produz pela pertinência de seu design, pela coerência e estabilidade de sua implantação.
Por tudo que foi dito, sujeitar a aprovação de uma marca à opinião do público é, em princípio, absurdo e, em muitos casos, temerário. A opinião sobre uma marca gráfica corporativa emitida de modo imediato, espontâneo e fora de contexto, por parte de supostos representantes do público («focus groups» ou questionários) não necessariamente registrará os valores estratégicos da marca gráfica; marca que se interpretará e implantará no contexto da comunicação integrada. E, desde já, o opinante não poderá ponderar os aspectos funcionais, técnicos, da marca, pois dificilmente os conhece. Ou seja, que a leitura imediata não é necessariamente representativa nem definitiva.
O teste, por outro lado, traz riscos na seleção dos opinantes, no tipo de informação a extrair deles e no tipo de uso prático dessa informação. A tendência dominante é apontar ao «target» de usuários para detectar a leitura da marca (registro de valores) seu grau de empatia com ela (agrado, simpatia, confiabilidade, etc.). Este critério merece ser revisado.
Perguntar aos adolescentes que bisbilhotam nas lojas da SONY, se lhes agrada o logotipo da SONY (sua marca preferida) seria um grande absurdo pois eles somente reparam no logotipo para saber quem fabricou aqueles aparelhos que lhes fazem tão felizes. Pois, enquanto aqueles meninos globais compram suas bugigangas por milhões em todo o planeta, a SONY assina convênio estratégico com a Philips Morris e outro com a NASA. Certamente, em uma assinatura conjunta da SONY e a NASA, só de olhar suas marcas fica claro de quem é o negócio. E, por outro lado, em um hipotético teste de ambas ante os adolescentes, muito provavelmente o gosto juvenil se inclinará pela grotesca marca da NASA.
Muito provavelmente o teste (que talvez tenha sido realizado) da marca original da Repsol haveria chegado a um resultado positivo. Mas essa marca possuía defeitos tipográficos e de estilo tão graves que a própria empresa teve que corrigi-la após sua implantação. Erros que um teste não poderia jamais detectar. Um trabalho profissional minucioso teria escolhido o tipo marcário adequado de imediato.
Não menos que os da SONY são os compromissos estratégicos das empresas locais de serviço público. Isso, sem falar das instituições do Estado, e ao próprio Estado, que cria marcas-país muito inferiores às marcas corporativas que, supostamente, devem respaldar; marcas-país muito provavelmente festejadas pelos focus groups, por serem «originais», «modernas» e «descritivas».
Finalmente, outro aspecto a ser controlado nos testes é a interpretação e aplicação prática de seus resultados, que não necessariamente consiste em obedecer as opiniões dos consultados. Se um opinante afirma, por exemplo, que o logotipo que lhe é apresentado não o convence pois o considera «clássico demais», tal opinião confirmará a validez do logotipo se o clássico formar parte do perfil estratégico da organização.
De qualquer forma, a compulsão por testes tem seus fundamentos. Em altas camadas de diretores de marca e de seus designers sobrevive uma ideia arcaica da marca gráfica e, portanto, de sua gestão. Privados de recursos técnicos para programar e projetar marcas, ambos atribuem a uma visão puramente empirista dessa atividade. O design de uma marca é, para eles, produto da imaginação formal ao serviço de intuições ou preconceitos.
Sem uma programação racional do encargo («brief») e um domínio dos condicionantes que pautariam objetivamente o design, os produtos deste nascem órfãos de racionalidade, privados de uma fundamentação baseada em parâmetros objetivamente operantes. A decisão ante versões alternativas baseada em argumentos superficiais, na mera opinião ou no gosto pessoal, fica à deriva. O teste aparece assim como uma tábua de salvação. «Como não sabemos decidir perguntamos a sua majestade o target». O teste é, portanto, o corpo de delito: a manifestação de uma insolvência profissional. Paradoxo dos paradoxos: delega-se no target uma uma tomada de decisão estratégica para o qual o target está desabilitado. Um caso de desgoverno.
Nesses sentido, muito mais útil que os testes das marcas projetadas são, via de regra, os estudos prévios do imaginário social. Tais estudos seriam realizados não para moldar-se mimeticamente a esse imaginário mas para dispor de um marco de referência para as decisões corretas de design. E estas poderiam ser perfeitamente as que se situam diametralmente opostas àquelas indicadas pela opinião do público.
Resumidamente: toda decisão estratégica deve sustentar-se na informação mais objetiva e completa possível; mas, uma vez tomada, testá-la implica não somente pôr em dúvida todo o trabalho realizado mas, pior ainda, fazê-lo sem garantia alguma de que os resultados do teste melhorem a decisão; ou, inclusive, com o risco de que, deixando-se levar pelos resultados, tal decisão piore.
A marca corporativa é estratégica; e estratégias não se testam.
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