Clara Porset, a cubana que reinventou o design no México

Este artigo é uma homenagem a Clara Porset Dumas, desenhista industrial cubana pouco conhecida no Brasil e até em Cuba, responsável por construir um novo México através do Design.

Marcio Dupont, autor AutorMarcio Dupont Seguidores: 70

Mariane Garcia Unanue, editor EdiçãoMariane Garcia Unanue Seguidores: 22

Ilustração principal do artigo Clara Porset, a cubana que reinventou o design no México

Com uma trajetória similar à da italiana Lina Bo Bardi no Brasil, Clara Porset foi pioneira no desenho industrial fora de seu país de origem, ajudando a construir e a fortalecer a disciplina com um papel fundamental para o nascimento de um México moderno e inovador.

Cubana de nascimento (Matanzas, 1895-1981), Clara deixou Cuba em 1936, por motivos políticos, e viajou ao exterior para estudar Estética, História da Arte e Composição Arquitetônica na Columbia University (Nova York), Universidade de La Sorbonne e na Escola de Belas Artes de Paris, respectivamente. Depois de formada com a recomendação de Walter Gropius, estudou com Josef Albers no Black Mountain, Carolina do Norte; especializando-se mais tarde em design de mobiliário.

Empreendedora, obteve, já naquela época, o primeiro Prêmio Continental do Museu de Nova York, em 1941, com um projeto de mobiliário rural, e a medalha de prata da Trienal de Milão, em 1957, com móveis de praia para hotéis de luxo.

Seus estudos e práticas profissionais no exterior a aproximaram de figuras de destaque no campo do design, arte e arquitetura e a colocaram em contato com pensamentos e tendências inovadoras do design da época, fazendo com que ela constatasse, por repetidas vezes, a importância do design no desenvolvimento produtivo e e​conômico de um país.

Depois de visitar o México, em 1940, decidiu fixar residência no país, onde se casou com o pintor Xavier Guerrero. Apesar de exilada, tinha uma formação de esquerda e possuía a ideia de que o design deveria ser para todos, da classe alta aos trabalhadores. Sempre fiel a seus princípios, teve como eixo norteador de sua vida o design para todos.

Clara Porset chegou a seu novo país com uma sólida formação no campo do design de mobiliário e design de interiores, mas também chegou a um país que vivia um momento histórico e cultural sem igual que, após a revolução de 1910, possuía um forte sentido de nacionalismo e de resgate de sua cultura popular-artesanal.

Neste contexto histórico único ela teve a oportunidade de conviver com intelectuais e mestres da arquitetura, muralismo, pintura, política, que procuravam desesperadamente por uma nova identidade nacional. Mestres como Luís Barragán, Pablo Neruda, Mario Pani, Enrique del Moral, Juan Sordo Madaleno e Diego Rivera.

Clara Porset, destacada entre as pioneiras pelo seu trabalho inovador no México.

Ao final dos anos 40 e princípio dos anos 50, havia no México muitos visionários como Juan OʼGorman e grandes pintores como Diego Rivera, mas não havia nenhum personagem que explorasse esse novo caminho, dando importância ao desenho industrial. Clara foi elemento vital e a pioneira desbravadora nessa nova jornada.

Em seu novo país, sua atividade profissional foi rapidamente influenciada pela cultura artesanal, assim como aconteceu com Lina Bo Bardi no Brasil. Como Bardi, ela reconheceu a importância, o valor da cultura artesanal, dos seus processos e materiais particulares. Entendeu como essa riqueza «primitiva» não explorada poderia ser incorporada à linguagem do design, gerando assim uma nova cultura material, que poderia ser a resposta na busca de uma nova identidade nacional.

Móveis concebidos por Clara Porset, que chegou a exportar suas criações.

Clara Porset, então, desenvolveu uma identidade mexicana com novas formas e conceitos e uma nova maneira de projetar design de mobiliário. Realizou uma fusão entre sua experiência com a vanguarda europeia, as tendências do momento e utilizou o conhecimento e a admiração que tinha pelas tradições mexicanas e sua arte popular. Tinha afeição por formas orgânicas, o uso de madeiras nobres e de materiais como fibras naturais simples, concebendo um ambiente rústico porém moderno para sua época.

Além dessa ebulição cultural, de esquerda principalmente, o país passava por um forte processo de urbanização e modernização, que exigia mobiliário urbano, arquitetura e design de interiores em todos os âmbitos e escalas. Clara, então, se encontrava no lugar certo, no momento certo. Afirmava:

«O mobiliário tem que ser como a arquitetura: uma expressão vivente que resulte do meio físico e cultural. O clima e o grau de desenvolvimento social, econômico e técnico de uma nação determinam necessariamente o material que se usa, a forma de trabalhá-lo e a aparência da forma. Se a tudo isso se adiciona a força da herança cultural, poderosa como a do México, o que cabe é a expressão nacional que pode chegar a ter finalmente pelo seu próprio mérito, valores internacionais».

Mesa criada por Clara Porset, que se especializou em design de mobiliário e interiores.

Em 1952, Clara organizou a exposição Arte na vida cotidiana, a primeira exibição de desenho industrial e artesanato mexicano.

Profissionalmente, desenvolveu mobiliário e design de interiores para projetos privados e do governo, chegando a exportar para a Europa e os Estados Unidos. Voltou ocasionalmente à Cuba, durante os anos 60, para a realização de mobiliário em larga escala à serviço da Revolução. Elaborou também o programa de criação da Escuela Superior de Diseño Industrial, que estaria a cargo de Che Guevara, mas que nunca aconteceu.

Como acadêmica, elaborou programas acadêmicos de Desenho Industrial no México e América Latina e fundou o curso de pós-graduação em Desenho Industrial da Universidad Autónoma do México. Foi uma promotora incansável do desenho industrial em revistas, jornais e livros.

Móvel de Clara Porset, uma defensora do design para todos.

Clara Porset faleceu em 1981 e seus restos mortais encontram-se na Cidade do México. Deixou como legado sua figura visionária, empreendedora, inesquecível e um exemplo para todas as futuras designers latino-americanas, além de ter deixado sua biblioteca e projetos pessoais para o Centro de Investigaciones de Diseño Industrial UNAM. A própria UNAM cria o Prêmio Clara Porset para mulheres designers do continente, como homenagem a uma de suas figuras máximas.

Podemos então afirmar, respeitando períodos e contextos diversos, que Clara Porset no México e Lina Bo Bardi no Brasil foram as primeiras pioneiras e empreendedoras do Design, que ajudaram a construir uma nova cultura, dotada de consciência material, que contribuiu para fortalecer o Design em seus novos países. Além disso, estas designers sempre trabalharam incentivando uma produção local dentro do contexto material, criativo e intelectual do país, isso tudo muito antes da ideia de se <pensar globalmente e agir localmente>.

Então, seriam elas também as primeiras designers sustentáveis e colaborativas? Acredito que sim.

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Retrato de Mario Santiago
5
Jul. 2013

Muito interessante isso. Parabéns, Marcio Dupont, pelo belo texto.

0
Retrato de Marcio Dupont
70
Jul. 2013

Mario, muito obrigado, uma excelente historia de empreendedorismo e sustentabilidade, muito antes da época atual, onde já' todos nascem empreendedores e sustentáveis.

0
Responder
Retrato de Edivaldo Ferreira Edspack
1
Jun. 2013

Parabéns pelo artigo, o design deve ter essa sensibilidade de unir os vários estilos!

0
Retrato de Marcio Dupont
70
Jun. 2013

Muito obrigado Edivaldo, o designer deve ter essa sensibilidade e capacidade de construir novos mundos materiais e contribuir para a historia de um pais. Abraco!

0
Responder
Retrato de Marcio Dupont
70
Jul. 2013

Caso tenha mais interesse no tema de mulheres designers consulte os seguintes links:

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0
Retrato de Jorge Montaña
234
Jun. 2013

Sem duvida, quando voce vem de outro lugar com outras condicoes e realidade tem um olhar de turista e vai se surprender com as coisas que para os locais sao corriqueiras e comuns, Clara como Lina tiveram esse olhar e com isso fizeram um otimo design Mexicano e Brasileiro. Figuras similares temos nos outros países,. Na Colombia menos documentados temos ao Dr Smith Suizo e o alemao Biermann. Os dois fizeram escola e sua influencia ainda é forte.

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