O símbolo de uma comunidade

A capacidade emblemática de um identificador social: motivação e convencionalização.

Norberto Chaves, autor AutorNorberto Chaves Seguidores: 3936

Rogério Torres, tradutor TraduçãoRogério Torres Seguidores: 4

Os signos instituídos como emblemas coletivos (ícones, bandeiras, selos, escudos) alcançam alta hierarquia graças a uma especial ligação do significante com seu referente (iconografia já instituída, tradição, história…). Sua eficácia metafórica ou sinedóquica inicial lhes garantem um reconhecimento generalizado e imediato como símbolo unívoco e legítimo daquilo que aspiram representar.

O gorro frígio da república, a cruz dos cristãos, a flor de lis dos bourbons, a arpa ou o trevo dos irlandeses, a folha de ácer dos canadenses, a concha de vieira dos que peregrinam a Santiago, a estrela de Davi dos judeus… nenhum destes símbolos é arbitrário; todos eles estão ancorados a um evento mítico onde apareceram, carregando-os de uma aura mais forte que qualquer outro significante contíguo; superam a todos na função de simbolizar univocamente aquele contexto. Como símbolo da luta das Mães da Praça de Maio, nenhuma outra peça de vestuário poderia se igualar ao lenço amarrado em volta da cabeça.

Por puro sentido prático, o êxito inicial do signo força a sociedade a recorrer a ele para garantir uma leitura social imediata e unívoca de seu referente. E assim, pela repetição desse uso específico, estes signos se instituem como objetos irrepreensíveis: se naturalizam.

Estes processos, predominantemente espontâneos, não constituem a única forma de origem destes emblemas. Muitos deles nascem de uma criação artificial, não necessariamente fundada em experiências coletivas; porém respaldadas pela legitimidade emblematizadora de seus criadores. A âncora se desloca, assim, do contexto histórico para o do criador. Em outras palavras, o criador é evidenciado como legitimador do emblema criado.

Imaginemos Guifré I «O Cabeludo» (Conde de Barcelona, 840-897) convalescente em seu leito, ferido em batalha contra os normandos enquanto defendia o rei dos francos, de quem fora vassalo. De pé, ao seu lado, o rei, em reconhecimento a sua lealdade e valentia, molha os quatro dedos de sua mão direita com o sangue do ferido e traça sobre o escudo dourado de Guifré quatro listras paralelas, enquanto diz: «Tu serás o portador das quatro barras catalãs». Dessa forma o liberava do vassalado, outorgando-lhe soberania sobre seus domínios territoriais e, como consequência, criava um emblema que até hoje segue vivo. Esta criação «unipessoal» da bandeira catalã, mesmo improvável e não mítica, ilustra um fenômeno plausível: o papel instituinte do herói individual na história dos emblemas sociais.

No fundo, ambos os processos (o espontâneo e o voluntário) respondem a uma mesma gênese semiótica: a potência simbólica do significante emergente, derivada de sua localização privilegiada dentro do contexto de origem. Sempre existe uma motivação que favorece a posterior convencionalização do signo.

O signo identificador privado (pessoa, empresa, organismo etc.) é produto de certa «soberania autosimbolizadora» e se naturaliza pela simples tenacidade do uso. Por outro lado, o identificador coletivo (cidade, país, região, comunidade, congregação) encontra-se numa relação de servidão com o imaginário de seus representados e com as imagens de seus respectivos contextos. A identificação coletiva só é eficaz se for sustentada de maneira evidente na convenção, ou seja, em uma imagética social instituída. Em outras palavras, a criação desse signo não é fruto de uma invenção, mas sim, uma constatação.

Moral: um signo coletivo triunfante não é prova da genialidade de seu autor, mas sim, de sua modéstia, objetividade e senso comum. O designer que aspire, por exemplo, criar uma marca-país deverá fazer um enorme esforço de igualar-se à gente comum. A missão desse signo não é surpreender, persuadir, nem mesmo descrever uma comunidade. É muito menos ainda a de demonstrar a criatividade de seu autor. A missão primeira de uma marca-país é ser aceita por sua comunidade como emblema próprio e legítimo, não arbitrário e nem imposto.

A notória irrelevância e fugacidade da maioria das marcas-país, a absoluta indiferença que a população sente por elas (ou seja, o fracasso desses signos) são prova de que nenhuma das opções acima é levada em conta pelos seus criadores.

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