O instante criativo

A fé excessiva que muitos designers e estudantes depositam na criatividade, muitas vezes distrai sua atenção e reduz sua efetividade profissional.

Fabián Bautista, autor AutorFabián Bautista Seguidores: 54

Abc Design, tradutor TraduçãoAbc Design Seguidores: 23

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Em meu trabalho como docente na Licenciatura em Design Gráfico, me deparei muitas vezes com protestos dos alunos, ao pedir a eles que pesquisem sobre o trabalho de algum designer, ou que visitem a exposição de um artista. Muitos manifestam abertamente seu desinteresse a respeito de conhecer o trabalho de outros. «Não quero me influenciar», dizem. Resultado curioso esse enfoque, evidentemente baseado na crença de uma «idéia pura», surgida de um momento de iluminação criativa, que seria a gênesis das melhores criações em design.

Trata-se de uma idéia muito difundida, tanto no âmbito educativo com na prática profissional do design. Alguns recusam com desprezo a análise de antecedentes, preferindo crer apenas naquilo que seu coração lhes dita e evitando de «contaminar-se» com a produção que os precede. É como se temessem perder sua «virgindade criativa» ao entrar em contato com soluções pré-existentes e problemas similares.

A fantasia de um instante criativo quase mágico deve ser reforçada na maioria dos congressos de design, onde muitos conferencistas provenientes do mundo profissional se limitam a mostrar seus portfólios com divertidas anedotas de como se «inspiraram»para alcanças tais resultados. Desta forma, os estudantes se enfrentam com um abismo entre as histórias apresentadas pelos seus ídolos e os exercícios realizados em sala de aula, onde suas tarefas nem sempre consistem em desenhar capas de música pop. Algo parecido ocorre ao jovem profissional, que não tarda em dar-se conta que a prática real, as margens e as exigências da criatividade não são iguais em todos os casos.

A supervalorização do instante criativo não é outra coisa que um menosprezo pelo conhecimento e pela formação cultural, tanto geral como específica (visual, musical, literária, etc.): para quê estudar e compreender o funcionamento das variáveis culturais, se existe uma força mágica, um lampejo criativo, que iluminará a mente do designer/criador?

A fantasia da inspiração criativa está ligada a uma forte necessidade de expressão que freqüentemente perambula nas aulas das escolas de design. Muitos estudantes têm uma verdadeira vocação artística, e encontram no design um meio com relativas perspectivas econômicas, que os permitirá “matar dois coelhos com uma só cajadada”: ter um espaço para manifestar seus sentimentos e emoções, além de se construir um futuro. Como no mundo de arte contemporânea, a originalidade é o mais valorizado, sentem-se na obrigação de buscar sempre «a idéia única» que lhes consentirá o reconhecimento que tanto anseiam e merecem.

Como o design é uma disciplina que muitas vezes apela à mobilidade emocional, isso não implica que o desenvolvimento de todos seus processos requeira um compromisso sentimental do profissional. Colocar o foco na aura emotiva do criador distrai a atenção do verdadeiro sentido da intervenção: resolver o problema de OUTRO e em TODOS os seus aspectos. É absurdo confiar que a inspiração casual e incontrolável possa ser o caminho para ter resultado.

Não pretendo desdenhar o valor da criação: etapa fundamental e inevitável e todo trabalho de design; sim, colocar as coisas em seu justo lugar. O instante criativo quase sempre tem muito pouco de mágico e muito pouco de instante. As soluções devem surgir como resultado de processos nos quais a destreza plástica e a inspiração criativa somente tenham sentido na medida em que estão bem orientados. E para determinar o rumo correto é fundamental:

  • saber escutar o cliente e compreender sua necessidade;
  • estar disposto a ajudá-lo;
  • poder manter uma distância razoável e objetiva a respeito do produto – na obra – que se está gestando;
  • conhecer as melhores soluções pré-existentes para eventualmente poder superá-las;
  • ter sensibilidade para pré-visualizar seu possível funcionamento na realidade.

Muito pouco disso pode dar resultado sem ter um conhecimento profundo da cultura visual, conforme corresponda a cada profissional.

Na essência, a busca pela originalidade é impossível. Estamos constantemente influenciados, não só pelo trabalho de outros designers ou artistas, mas também por tudo que nos rodeia. Cada produto que utilizamos, cada rua em que passamos, a música que nós escutamos, o café que bebemos, tudo aquilo com que interagimos diariamente, nos provê de um acúmulo de influências que modifica a nossa maneira de ser, de pensar, e, evidentemente também de desenhar. Nesse sentido, nossa produção não é estritamente nossa.

Não se trata então de negar a criatividade, mas sim, compreender que esta só tem sentido na medida em que ajude a resolver adequadamente o problema do cliente. Em geral, «ser criativo» contribui quando coincide com o «ser eficiente», quanto mais culto, melhor. Da mesma forma que, na escrita, quanto maior o vocabulário e o domínio da língua, mais ricas e acertadas são as obras.

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Este artigo foi escrito em co-autoria com Natalia Delgado.

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