O Design e o ‘faz-de-contas’

Corremos constantemente o risco de cair no conto do Design de 'faz-de-contas'. Mas como podemos nos esquivar deste erro e fazer um design real e efetivo?

Pablo Torres, autor AutorPablo Torres Seguidores: 9

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O ensino de Design enquanto disciplina técnica independente, além de recente foi sempre baseado no modelo da escola alemã de Design, especialmente Ulm e Bauhaus. Naquela época as escolas de design deveriam servir à indústria manufatureira com profissionais especializados; dessa forma, os designers eram divididos basicamente em Designer de Produto, responsáveis por desenvolver os novos produtos a serem produzidos em larga escala pela indústria, e Designer Gráfico, responsável pelo planejamento e execução projetiva da comunicação corporativa. E foi assim por muitos e muitos anos. Mas essa história já tem quase 100 anos! Sabe o quanto o mundo mudou ao longo desse tempo? Assim, grande parte dos designers ainda focam sua atuação na produção manufatureira, ou seja, trabalhar estritamente na indústria de bens de consumo.

Apesar de esta ser uma crítica direta às escolas de design, que ainda pensam segundo modelos antiquados, designers e estudantes têm sua parcela de culpa no que chamo de Design de ‘faz-de-contas’. Ou seja, ‘faz-de-conta’ que temos indústrias desenvolvidas e mercado para comunicação em todos os lugares do mundo; ou ‘faz-de-conta’ que alguma empresa vai se interessar por um projeto ou portfolio gráfico, relegando à indústria o poder de decidir o que vai ser produzido ou não; ou ‘faz-de-conta’ que projetar, no sentido de pensar e desenvolver as ideias, é o bastante; ou ‘faz-de-conta’ que o projeto desenvolvido vai mudar o mundo! São muitas possibilidades de fazer de contas, que na minha visão pessoal estão suplantando as oportunidades e possibilidades de criar projetos e soluções reais e verdadeiramente impactantes. É a isto que devemos estar atentos, como projetistas e como designers!

O fato é que vivemos um momento de transição e podemos acompanhar praticamente em tempo real as mudanças significativas que estão ocorrendo. Sobre esse aspecto, Grimaldi (2014) discorre que vivemos em uma dimensão em que promover o acesso a bens e serviços é mais relevante que possuí-los, onde a vivência de experiências, relacionamentos, emoções, cultura e entretenimento é mais importante do que possuir coisas.

Um ponto fundamental da mudança é que estamos nos afastando de um velho paradigma técnico-econômico baseado na produção em massa, onde o conceito dominante de bem-estar está atrelado a artefatos que poderiam trabalhar para as pessoas, facilitando as ações cotidianas através da minimização de interferência pessoal; ou seja, do menor esforço físico, atenção, tempo e menor necessidade de capacidade e habilidade (Manzini, 2007; Perez, 2010), para nos aproximarmos de um novo paradigma baseado em informação, comunicação, colaboração e interação. O momento de transição que vivemos deve ser tratado como um grande processo social em que as formas mais diversificadas de recursos, conhecimento e organização devem ser valorizadas de maneira aberta e flexível.

Se designers e pesquisadores não levarem em consideração a evolução da disciplina e os novos desafios enfrentados no mundo contemporâneo, estarão fazendo Design de ‘faz-de-contas’. Se não pensarem também nas transformações sociais e tecnológicas constantes do mundo atual, estarão fazendo Design de ‘faz-de-contas’. Se designers e cursos de Design não se conectarem à realidade local que os circundam, estarão fazendo Design de ‘faz-de-contas’. Se designers considerarem as suas competências apenas de acordo com a divisão clássica do design (em produtos, comunicação visual, etc.), estarão fazendo Design de ‘faz-de-contas’. Se designers considerarem trabalhar apenas para indústria manufatureira, esquecendo do fato de a indústria estar concentrada em polos industriais e desconsiderando assim novos campos e possibilidades de aplicação, estarão fazendo Design de ‘faz-de-contas’. Ou seja, estamos repletos de oportunidades de fazer Design de ‘faz-de-contas’ e devemos estar atentos em evitar cometer esse erro.

Mas como corrigir isso? Gostaria aqui de ousar sugerir algumas estratégias que, em minha visão, são capazes de ajudar a mudar essa realidade. São sugestões simples, que refletem mais mudanças de mentalidade capazes de levar a mudar o nosso comportamento e nosso posicionamento a respeito do Design e suas práticas.

Considerar o Design como disciplina holística e transdisciplinar

Holístico aqui significa considerar o projeto não apenas de acordo com as especialidades tradicionais da disciplina, mas visualizar o cenário de atuação como um todo, propondo um conjunto de soluções pontuais que venham a resolver de forma ampla as questões de Design de determinada organização ou instituição. É a era da transdisciplinaridade: você tem que ser bom em uma coisa, e ao mesmo tempo conhecer várias outras.

Projetar soluções, não produtos

A mudança de paradigma tem como consequência direta a transição de uma visão centrada em produtos para uma visão centrada em soluções, abordando o desenvolvimento de uma nova geração de resultados de design. Para traduzir esta mudança de atitude ao projetar, o designer deve especialmente mover o centro de sua atenção do objeto para os resultados a que esse objeto tenta promover ou facilitar, e imaginar, a partir dele, soluções baseadas em formas alternativas para alcançar esses resultados.

Conectar-se com a realidade local

Os avanços das tecnologias de comunicação e a nossa conexão com o mundo através de redes (e sobretudo a maior delas, a Internet) reconfiguraram a relação entre local e global. Dito isto, é fundamental para o designer contemporâneo entender as características desse novo mundo e, mais importante ainda, saber compreender e ler o cenário local que o circunda, de modo a identificar oportunidades que podem ser exploradas por meio de projetos e propostas de design.

Ir além do projeto

Seguindo a antiga lógica de exclusividade da produção manufatureira em larga escala, o designer se torna dependente da indústria a partir do momento que relega a implementação do projeto a grandes empresas. Os processos produtivos não estão mais concentrados apenas em grandes indústrias, mas, ao contrário, estão espalhados e se espalhando de forma difusa por todas as partes. Consequentemente, novos modos de produzir se estabeleceram e se apresentam como alternativas. O designer atual deve estar preparado para produzir e inclusive comercializar suas próprias peças, tomando para si a implementação do projeto por ele desenvolvido, em parcerias com uma variedade de atores que não é mais representada exclusivamente pela indústria.

Considerar as novas formas emergentes de Design

O mundo tornou-se cada vez mais complexo e isso se reflete na linha de evolução do Design. Assim, uma reflexão mais crítica sobre a atividade de design e sua aplicação em fronteiras que vão além dos contextos industriais culmina no que Manzini (2015) chamou de «Design Emergente». Graças ao desenvolvimento da tecnologia e a evolução da sociedade, essas novas formas emergentes se apresentam através de várias facetas e indicam uma nova visão sobre o design atual e o que pode vir a configurar o design em um futuro próximo. Human-Centered Design, Design de Impacto Social, Design para Inovação Social, Designers Makers, Open Design, Co-Design, Crowdsourcing, Behaviour Design e Design Pós-Digital, são alguns exemplos dessas práticas emergentes.

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Fontes:

  1. Grimaldi, Pino. Blur design: il branding invisibile. Bolonha, Fausto Lupetti Editore, 2014.
  2. Manzini, Ezio. Small, Local, Open and Connected: Design for Social Innovation and Sustainability. In: Debenedittis, L., M. H. Robb, A. Siegel e C. Lawson (ed.), The Journal of Design Strategies, 4(1), 2010, pp. 8-11.
  3. Perez, Carlota. The financial crisis and the future of innovation: a view of technical change with the aid of history. In: van Tilburg et al. (ed), Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics, n. 28, 2010.
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