O adorno

Uma incitação a reconsiderar o papel do enfeite no design.

André Ricard, autor AutorAndré Ricard Seguidores: 498

Lucas Monteiro Rocha Faria, tradutor TraduçãoLucas Monteiro Rocha Faria Seguidores: 7

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Adicionar um enfeite, uma decoração aos objetos funcionais é um tema que desde os princípios do movimento moderno foi claramente rejeitado. Segundo estes, as coisas úteis não necessitam de nenhum elemento decorativo: a forma basta por si mesma. Desde esse enunciado magistral não entra na visão do design que um objeto possa ter também o viés decorativo. E mais, no milieu do design, esses objetos são menosprezados mesmo quando sua forma possui qualidades funcionais apreciáveis.

As revistas e exposições de design jamais mostram produtos de decoração, esses são desqualificados implacavelmente. Por mais que seu design seja excelente e o adorno discreto, até bonito, nenhum deles é exposto e muito menos premiado. A reação espontânea é sempre «uma lastima que esse objeto tenha uma decoração» como se uma simples estampa os privasse de todas as suas demais qualidades.

Esse princípio essencial, que muitos de nós compartilhamos, creio eu que hoje merece ser reconsiderado. Encerra um totalitarismo estéticobasado1. Um elitismo que os taste markers do design impõem ao público que consideram esteticamente analfabetos. É imposto que nenhum objeto de decoração manche as obras do design. Os que possuem algum aspecto decorativo são vistos com certo desprezo. Sem embargo, essa visão austera não tem chegado a se impor no mundo real. O que percebemos pela resposta da sociedade é que um grande setor do público, a maioria, segue preferindo os produtos que tem um apelo decorativo. É um feito comprovado que, por mais que uma vasilha branca, imaculada, seja belíssima, 80% das vasilhas que se vendem tem algum tipo de diferenciação decorativa. São de porcelana fina, de louça ou de vidro, mas toda ela tem algum grafismo que as decoram. Devemos reconhecer então que preferir um objeto sóbrio, sem adornos, segue sendo uma tendência minoritária que nem sequer define a uma classe específica. O gosto pelos adornos é dos mais interclassistas. O estilo e a qualidade dos materiais podem variar, entretanto o interesse pelo adorno se encontra em todos os níveis da sociedade.

Existe então entre o público um desejo que o design não atende. É realmente algo tão aterrador decorar um produto com um bom design? Embora um adorno não interfira na eficácia da função do produto, qual argumento pode ser exercido para desqualificá-lo?

Preservar de forma radical esse veto sobre o adorno poderia demonstrar que o racionalismo não só preza pela funcionalidade das coisas, como também é um estilo. Um estilo restrito, de caráter puritano. Uma estética monástica, que rechaça o enfeite por razões subjetivas, não racionais. Isso é realmente compatível com os enunciados tão objetivos do próprio racionalismo? Tanto mais quanto podemos ver como se recusa esse enfeite que vai suprindo com o esquema das características que damos a forma, como chanfros, cortes, estrias ou texturas sabiamente distribuídas na superfície. Recursos que vêm a ser como uma sorte de adornos integrados cuja sombra projetada «decoram» de um modo sutil os designs menores sem serem tachados de decorativismo.

Se em uma determinada época, depois de anos e séculos de desperdício decorativo, se justificou a criatividade austera que propusesse o racionalismo como um retorno a essência funcional das coisas, talvez tenhamos agora que repensar se não seria lícito abrir ao design contemporâneo o adorno ponderado para assim atender essa demanda reivindicada pelas pessoas como meio de expressão de uma identidade ou de uma diferenciação. Uma demanda que se não é atendida pelo design, será atendida como está sendo agora, de qualquer maneira. Mesmo que recusarmos a aceitar, ela não deixaria de existir e cabe nos perguntar se não seria preferível controlar a situação ao invés de ignorá-la.

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  1. No original espanhol: estéticorebasado.
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