Esconder e revelar

Preferindo imagens a conceitos, os designers mantêm o aspecto «enigmático» do mundo e revelam ao mesmo tempo, novas formas de olhar para este mundo.

Marcos Beccari, autor AutorMarcos Beccari Seguidores: 39

Ines Reis, editor EdiçãoInes Reis Seguidores: 7

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A concepção e o desenvolvimento de um projeto de design (gráfico, produto, moda, editorial, etc.) parecem girar em torno de duas atitudes fundamentais: o revelar e o esconder. Por conseguinte, alguns projetos são mais «transparentes» – pois revelam as suas estruturas, as suas formas e a sua mensagem – e outros projetos são mais «secretos», escondem assim muitos aspectos que os constituem.

No entanto, esta dualidade nunca é muito clara – e aparentemente favorece a camuflagem. Sabemos como um carro funciona, por exemplo, mas nunca sabemos exatamente como ele funciona, quais são os processos envolvidos, etc. Do mesmo modo, entendemos o conteúdo de um livro ou de um cartaz, mas não sabemos exatamente como aquilo foi elaborado. E por mais que nos esforcemos em deixar tudo «transparente», parece que as coisas se escondem por si próprias – até mesmo uma lembrança ou algo que acabamos de pensar escapa da nossa consciência.

Perante isto, contudo, tentamos assumir o controle e ver o que se escondeu. Trata-se de um processo de subjetivação: tornamo-nos sujeitos na medida em que pensamos sobre o mundo que nos rodeia. Isto acontece de duas formas simultaneamente. Por um lado, imaginamos o que está escondido; por outro lado, tentamos explicar o que está escondido. Graças à nossa capacidade de imaginar, a nossa relação com o mundo é inevitavelmente mediada por imagens. E graças à nossa capacidade de conceber, tendemos a objetificar essas imagens, interpretando-as e transformando-as em conceitos. Este processo pode ser resumido da seguinte forma: uma vez vivenciada a existência, uma vez experienciado um facto (sobretudo o mais desagradável, como a morte ou a deceção), procuramos pensar sobre o mundo, tornando-nos sujeitos do mundo. A partir de então, tudo não passa de conceitos, expressões, representações, mediações, relações com esse mundo.

O facto é que o processo de revelar o que se escondeu depende da perspectiva de quem está observando as coisas – o olhar do sujeito. No entanto, este processo assume uma forma curiosa e mais complexa quando pensamos em Design: além de ver o que se observa, temos de tornar visível o que se vê. Além da visualidade, também nos preocupamos com a visibilidade.

Podemos até participar indiretamente no processo de subjetivação, mas a nossa atuação ocorre de facto a nível intersubjetivo. E ao lidarmos com esta realidade entre-sujeitos, percebemos que o mundo das imagens atua por detrás do mundo conceptual: enquanto os conceitos são descrições de como as coisas foram vistas, as imagens são um modo de olhar para as coisas.

Os conceitos seguem uma lógica diacrônica, isto é, tendem a decompor linearmente os factos, estabelecendo uma ordem temporal e delimitada. As imagens seguem uma lógica sincrônica, ou seja, não há um ponto fixo que possa ser precisamente delimitado. Os conceitos revelam algo escondido (ainda que, com isso, escondam outras coisas). As imagens atuam «em segredo»: revelam-se ao mesmo tempo em que se escondem. No meu entendimento, esta lógica imaginária é também a lógica do Design: articulamos modos de olhar para as coisas – não de forma factual (descrevendo o mundo), mas sim de forma ficcional (reinventando o mundo).

Se aceitarmos este pressuposto, poderemos perceber que este jogo entre revelar e esconder da «lógica imaginária» não pretende convencer as pessoas, mas sim seduzi-las. A sedução está próxima do segredo: algo é revelado na medida em que é escondido. Nasce daí a incerteza, a dúvida, o inesperado – combustíveis para a subjetivação. O Design então adquire um papel fundamental nesta troca sedutora entre o mundo e o sujeito – preferindo imagens a conceitos, os designers mantêm o aspecto «enigmático» do mundo e revelam, ao mesmo tempo, novas formas de olhar para este mundo.

É claro que esta «lógica imaginária» pode ser catastrófica num contexto que, alguns diriam, tem desestabilizado a noção do «sujeito pensante». Neste sentido, porém, penso no Design como sendo ele próprio um elemento de catástrofe, de provocação, de fraturas no lugar de fronteiras. Pois sem provocação não há sedução, e sem sedução não há nada escondido ou revelado – e um mundo sem segredos seria certamente insuportável.

«…os novos meios, da maneira como funcionam hoje, transformam as imagens em verdadeiros modelos de comportamento e fazem dos homens meros objetos. Mas os meios podem funcionar de maneira diferente, a fim de transformar as imagens em portadoras e os homens em designers de significados».
Vilém Flusser em O Mundo Codificado (São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 159).

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Texto originalmente publicado no Design Simples/Filosofia do Design.

 

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