Autêntico design

Assim como não há nada mais feio que o excessivamente belo, o risco de não ser compreendido é potencialmente mais autêntico que o risco de não errar.

Marcos Beccari, autor AutorMarcos Beccari Seguidores: 39
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O que torna um trabalho de design autêntico? Aliás, o que é autenticidade? Em âmbito interpessoal, dizem que «ser autêntico» é ser você mesmo, sendo uma objeção básica afirmar que é impossível deixar de ser «você mesmo». Uma definição mais elaborada, por conseguinte, seria a de aceitar quem você é e fazer disso o norte para aquilo que você quer se tornar. O problema é que essa aceitação pode rimar com resignação, isto é, resistência à mudança.

Desvencilhando-nos da ideia de imobilidade ou mudança, outro caminho a seguir seria a autenticidade, apenas como sinceridade para consigo mesmo. Tal definição só seria consistente, entretanto, caso houvesse uma pessoa que não carregasse consigo valores contraditórios. É quase unânime estimar a sinceridade em si, mas há diversas situações cotidianas em que essa entra em conflito com outros valores: seu melhor amigo está traindo a namorada e, se você quiser ser sincero com ela, corre o risco de perder a amizade dele.

Acho que ser autêntico não é tanto uma virtude/qualidade. Quando muito, é uma escolha relacionada à intensidade subjetiva. Algumas pessoas se sentem autênticas quando escolhem viver cada momento como se fosse o último, como se fosse eterno enquanto dura. Outras pessoas sentem-se autênticas com o contrário, isto é, vivendo a eternidade na expectativa e na lembrança. Podem ser as duas coisas juntas, mas ambas dependem de uma escolha.

Claro que não é uma escolha fácil: diante de um quadro do Magritte, podemos entregar-nos a uma epifania inédita e/ou não resistir ao inevitável espanto do «onde foi que eu já vi isso?». A isso soma-se o paradoxo de que a autenticidade de um objeto somente é percebida enquanto tal, não porque o objeto reflete uma intimidade pessoal mas, principalmente, porque traz consigo experiências impessoais. Neste ínterim, talvez seja pertinente retomarmos os conceitos de vestígio e aura em Walter Benjamin (1994, p. 226):

O vestígio é o aparecimento de uma proximidade, por mais distante que esteja daquilo que o deixou. A aura é o aparecimento de uma distância, por mais próximo que esteja daquilo que a suscita. No vestígio, apossamo-nos das coisas; na aura, ela se apodera de nós.1

De acordo com o autor, a obra de arte teria perdido, na modernidade, a «aura» que a singularizava com o advento da reprodutibilidade técnica, o que também acabou invertendo o papel do espectador que, por sua vez, passou a narrar sua própria individualidade através da impessoalidade da obra.

Mas o que nos interessa é o que diz a citação: vestígio relacionado com o passado, proximidade e posse, e aura relacionada com o futuro, distância e desposse. A autenticidade de um objeto de design manifesta-se em via dupla: por um lado, quando o objeto se apresenta como vestígio do usuário (por identificação, aproximação) e, por outro, quando o usuário lhe atribui uma aura, distanciando-se solenemente desse objeto que então «não o pertence». A autenticidade em si, portanto, não depende de comparação, ao contrário do valor que atribuímos a ela quando a transformamos em discurso.

O «autêntico» enquanto discurso é via de regra fingimento. Seja pagando fortunas numa calça velha com a marca Diesel, seja superestimando a diversidade cultural (aquilo que nos parece diferente), vestígio e aura desaparecem com o dogma do «depende do ponto de vista». É verdade que a autenticidade de um objeto não está no próprio objeto mas sim na forma como ele é apropriado e articulado numa cadeia discursiva. Quando a oferta de autenticidade é maior que sua demanda (o que é frequente no design), esse discurso perde todo o sentido.

Dito de outra forma, o valor do «autêntico» não é estabelecido apenas através do discurso, mas especialmente quando, de tanto fingirmos, nos tornamos sinceros ao escondermos uma mesma coisa.

Não sabemos ao certo, por exemplo, o que as pessoas esperam quando adquirem um produto Apple, e é justamente isso o que tentamos esconder: o fato de que ninguém sabe exatamente o que esperar de um autêntico Apple. E quando descobrimos que o perfume extasiante daquela garota é um Victoria’s Secret (que nem é tão secreto, já que muitas mais também o usam), tiramos-lhe a máscara de sua aura e corremos o risco de apagar qualquer vestígio de nosso fascínio inicial.

Quero dizer que a autenticidade mantém-se reservada, parcialmente intransponível e nunca inteiramente exposta. Acima de tudo: assim como não há nada mais feio que o excessivamente belo, o risco de não ser compreendido é potencialmente mais autêntico que o risco de não errar.

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  1. BENJAMIN, W. Obras escolhidas III – Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1994.

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