Arte, design e ideologia

Sobre o preconceito tenaz que atribui ao design o caráter de área artística.

Norberto Chaves, autor AutorNorberto Chaves Seguidores: 3908

Luiz Claudio Gonçalves Gomes, tradutor TraduçãoLuiz Claudio Gonçalves Gomes Seguidores: 46

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Os anathemas extravagantes de Adolf Loos contra as artes aplicadas já têm mais de um século de existência; mais precisamente, 119 anos. E a profusa bibliografia teórica que, a partir de então, tem fundamentado a especificidade do design, não conseguiu remover completamente esse preconceito tenaz que «detecta», nesta área, uma natureza artística. Há, portanto, mais de um motivo para supor que, por trás dessa tenacidade, operam fatores condicionantes alheios à razão analítica e à vontade de conhecimento. Procuremos, então, recriar os mecanismos desse preconceito.

A primeira coisa que se observa nas declarações a favor do caráter artístico do projeto é a autossuficiência das mesmas: uma taxatividade não requerida de fundamentação. Trata-se de uma «questão de princípio»: uma crença. Pois tal hipótese raramente é submetida à demonstração. Quema fórmula não apresenta provas; não remete a afirmação para o confronto com a realidade, com fatos nos quais isso resulte evidente. A ideia do design não é nutrida na objetividade de seus produtos, mas em uma representação ideal do seu modus operandi: imaginação, criatividade, insight… E esses mecanismos são atribuídos à arte como características específicas e exclusivas: onde quer que apareça a imaginação a arte estará operando.

Aqui está o primeiro deslize semântico que apoia essa «associação ilícita»: considerar que as capacidades universais, presentes em todos os campos da atividade humana, como a imaginação ou a criatividade, sejam atributos exclusivos da arte. Se isso é verdade, todo ser humano seria um artista e todo trabalho humano arte. A arte, como uma categoria, se fundiria com o todo, isto é, perderia toda especificidade.

Uma segunda operação mental a favor dessa identificação do design com a arte é produzida por um mecanismo redutor dos referentes reais: a sinédoque falsa, consistindo em decidir, a priori, quais elementos são representativos do todo. Inconscientemente, são realizadas uma seleção e hierarquia dos temas de design em que predominam os aspetos estéticos. E elas são elevadas à gama de paradigmas de design. O espetador, ao pensar sobre o design como arte, pensa em arquitetura singular, moda de vanguarda, cartaz de autor ou mobiliário inovador. E, neles, ele «vê» a presença da arte. Portanto, prisioneiro de outro preconceito, identifica «estética» com «arte». Identificação falsa: o estético não é um atributo exclusivo da arte e existem formas de arte que desdenham o estético.

Para sustentar essa associação, omite espontaneamente, sem pensar, as áreas do trabalho de design que perturbariam sua hipótese. Áreas tão importantes quanto os móveis de uso atual, ferramentas, equipamentos eletrônicos, transportes, equipamentos ortopédicos, sistemas de sinalização, publicações, meios de informação públicos ou programas informáticos. É uma seleção intencional que exclui o que não corresponde à hipótese. Um mecanismo específico de preconceito: «aquela raça cheira mal».

Uma definição teoricamente rigorosa de qualquer conjunto deve ser verificada em todos os componentes desse conjunto. Lógica elementar: Teoria dos Conjuntos. Se alguém leva em conta o vasto campo do trabalho de design, os temas supostamente próximos da arte tornam-se anedóticos e sua conexão com ele, meramente aparente. Bem, como já foi dito, o estético também não é um atributo exclusivo da arte. Em suma: quem confunde o design com arte faz isso não só porque ignora o que é design, mas também porque ignora o que é arte.

E aqui cabe, então, ir mais longe e nos perguntar: como é possível que as pessoas normalmente educadas – profissionais e até professores – que não são estranhas ao fenômeno do design, cometem tantos erros na definição da disciplina? Não há outra resposta do que a latente em nossa hipótese inicial: é o efeito do condicionamento ideológico que confunde o exercício da razão analítica. Sob a pressão dessas condicionantes, sem sequer percebê-las, vemos na realidade o que precisamos ver, antes de mirá-la.

Essas falsas identificações de imaginação e criatividade com a arte e aquela restrição dos produtos de design a peças mais estéticas ou «inspiradas» são o resultado de uma necessidade ideológica de superestimar a disciplina, resgatando-a do nível «pé-no-chão» do trabalho produtivo e artesão, para incluí-lo em uma suposta forma suprema de criação cultural: a Arte. Outro preconceito.

Por trás desse mecanismo mental não é difícil detectar uma ideologia do setor social: uma certa classe média profissional que vitalmente precisa legitimar sua superioridade social. Um setor da classe que não pode suportar ser despojado dessa «aureola» – já descrita por Marx – que o instala no Parnassus dos eleitos, separando-os dos trabalhadores modestos... Como se os verdadeiros artistas também não fossem trabalhadores modestos.

A classe média foge de suas origens como do inferno. Precisa «desproletarizar» reivindicando para si a autonomia total e o privilégio da criação livre.

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