Três garrafas, por favor!

Uma metáfora para que escritórios e empresários possam entender melhor o que está envolvido nos processos de concorrência.

Tulio Filho, autor AutorTulio Filho Seguidores: 10

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Imagine a cena. Você entra em um restaurante e faz o seu pedido para o garçom. Pede então a carta de vinhos e escolhe não um, mas três dos principais vinhos da casa. O garçom não entende bem a situação, mas volta à mesa com as três garrafas. Você então pede que as abra. Ele ainda sem entender, abre. Você então pede para prová-las. Ele serve desconfiado. Após provar os três vinhos, você avisa ao garçom que gostou mais do terceiro e que vai ficar com ele. Ele questiona sobre as outras duas garrafas. Você responde que irá devolvê-las e que pagará apenas pela que gostou.

Sem dúvida, uma situação surreal. Mais surreal ainda, é que ela acontece todos os dias no mercado brasileiro. O cliente chama alguns fornecedores, passa um briefing muitas vezes com informação de menos e expectativas de mais, e aguarda uma solução. Paga por aquela que gostar mais. É importante realizar uma reflexão sobre este tema, pois apesar de extremamente nociva, é uma prática corrente e até defendida tanto por clientes quanto por fornecedores. Mas será que é digna?

A situação é tão dramática que atualmente as empresas vêm fazendo concorrência para tudo. De uma logomarca até um simples email marketing. Já perdi a conta de quantas propostas destas recebi. E sou honesto em assumir o erro e dizer que aceitei algumas. O aceite normalmente está ligado a várias questões. Pressão por parte do atual cliente para não perdê-lo, pressão por parte do departamento financeiro para atingir as metas de faturamento, e até mesmo pressão por parte da equipe de criação que deseja fazer algo bacana para um novo cliente.

A alegação dos clientes é sempre a mesma. Acreditam que não podem avaliar um escritório de design ou uma agência simplesmente por seu portfólio ou pela proposta comercial. Acreditam que ao escolher um fornecedor sem a concorrência, acabam dando um «tiro no escuro». Isto demonstra talvez a incapacidade cada vez maior das empresas em escolher seus fornecedores. Esta incapacidade, aliás, tem avançado em outras áreas como a própria definição de estratégias ou a aprovação de conceitos. O trabalho dos escritórios de design ou agências é baseado em ideias. Efetivamente é complexa a análise e escolha de um produto tão subjetivo, mas longe de ser impossível. Pelo contrário, com técnica e principalmente capacidade de decisão, a escolha fica fácil. Definitivamente a solução para isto não é colocar vários fornecedores para trabalhar por um mesmo projeto.

O fato é que cliente e fornecedores saem perdendo. O cliente acredita que está eliminando riscos. Mas engana-se. Ganha o risco de ter em suas mãos um trabalho superficial, com qualidade duvidosa e que muito provavelmente, não conseguirá solucionar o seu problema. Já o escritório acredita na oportunidade de conseguir um novo trabalho ou um novo cliente. Arruma um espaço na pauta e normalmente sacrifica a qualidade dos trabalhos de seus atuais clientes para desenvolver o famigerado job. Isto sem contar o próprio risco de não ter o seu trabalho aprovado e o custo por ele pago.

Por maior competência (ou lobby) eu poderia afirmar que é impossível ganhar todas as concorrências que um escritório de design ou agência participa. O reflexo disto provavelmente está no ponto de equilíbrio da empresa, ou seja, sua margem sempre terá que ser maior para poder ganhar algumas e perder outras concorrências. Mais uma vez, os seus clientes serão penalizados. Mas existem caminhos. Uma saída é o pagamento pela concorrência. Nesta modalidade, o cliente avisa de antemão, junto do briefing, que irá realizar o pagamento pelo trabalho desenvolvido durante o processo de concorrência. Normalmente ele define o preço a ser pago e fornecedores podem optar ou não pela concorrência.

É claro que não será o valor real do trabalho realizado, mas normalmente é um valor que permite ao escritório ou agência, não apenas participar, mas investir seu tempo e sua experiência na solicitação do cliente. Foi assim com a logomarca das Olimpíadas 2016, por exemplo. Após uma primeira etapa onde foram avaliados os portfólios de diversos escritórios e agências de todo o Brasil, os escolhidos foram chamados para a apresentação do briefing junto do pagamento pela concorrência. Não tenho dúvida de que todos os escritórios que participaram, tinham uma vontade imensa em ganhar o projeto. Mas com a compensação financeira, esta vontade deve ter ficado ainda maior e a qualidade dos projetos apresentados deve ter sido na mesma altura. Outra saída é a boa e velha avaliação do portfólio. Ele é sim uma excelente forma de entender como o fornecedor trabalha e que tipo de soluções costuma desenvolver. Aliado a uma entrevista ou uma visita à estrutura do fornecedor, diria que é mais que suficiente. Quem acredita que não pode avaliar uma empresa pelo portfólio provavelmente terá muita dificuldade de avaliar os resultados de um processo de concorrência.

E talvez existam outros caminhos que podem ser encontrados sempre pensando em uma parceria entre cliente e escritório ou agência. O que vale em resumo, é o bom senso. Para o universo dos clientes, é importante sempre avaliar bem a necessidade de se realizar uma concorrência. E por parte do universo dos escritórios, a avaliação recai sobre a participação ficando sempre atento aos manuais de boas práticas desenvolvidos por associações do setor.

Sempre teremos lados favoráveis e contrários às concorrências. Mas minha impressão é a de que a concorrência mais atrapalha que ajuda. Em um mercado carente de maturidade, mais ainda. Em um mercado onde as agências e escritórios de design, promo e digital, brigam não por um tenro e suculento filé, mas sim por um ossinho bem desgastado, nem se fala. Em um mercado como do estado do Paraná, onde clientes saem todos os dias e levam suas contas para agências em outros estados brasileiros, mais e mais ainda.

Acredito que a concorrência especulativa é a porteira aberta, o empurrão que o mercado precisa para tropeçar e tomar um tombo gigantesco. Depois da concorrência, qual será o próximo passo? Pagar para fazer o job? Aliás, em alguns casos, isto já acontece. Qual o fim desta história? Provavelmente o fim mesmo.

Parece que algo precisa ser feito. Vivemos no Brasil um período especial. Instituições se mobilizando contra a corrupção. O judiciário federal tentando corrigir práticas totalmente equivocadas, que não podemos esquecer, tem um pé bem grande no campo da comunicação. Sem dúvida um ar de indignação coletiva. Haveria momento mais propício?

Seria muita ingenuidade ou utopia da minha parte acreditar que juntas, as instituições de representação dos setores poderiam desenvolver um movimento contra a concorrência especulativa aliado a uma campanha orientando o mercado? Mais utopia ou ingenuidade ainda acreditar que juntos poderiam gerar um documento de boas práticas, posicionando as instituições e estabelecendo parâmetros mais coerentes e justos para a escolha de agências, escritórios de design, promo ou digital? E ainda mais utopia acreditar que as empresas e profissionais ligados a estas instituições passariam a utilizar estas ferramentas como fonte de consulta ou de negação às concorrências especulativas?

Será que esta é uma ideia factível ou estou apenas embriagado pelas três garrafas? Se for a última opção, uma aspirina, por favor.

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