Quem inventou que simples não é bom?
Reflexão sobre o antigo dilema entre simplicidade e complexidade.
AutorMário Verdi Seguidores: 7
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Um dos maiores dilemas do «fazer design» no Brasil diz respeito à imaturidade de nossa sociedade com relação ao entendimento do que venha a ser Elegância. Talvez a culpa seja das araras, dos papagaios, da nossa fauna e flora tropicais, tão abundantes em cores que nos acostumaram a conviver com o excesso.
Somos constantemente estimulados a pensar que menos é pouco. Alguém inventou que Simples é pouco. Acho que no meio do caminho ficou perdido o próprio significado da palavra simplicidade. Simples nunca foi pouco, assim como o contrário de simples nunca foi Bom. O contrário de simples é Complexo, Complicado, Difícil, Exagerado. Essa deturpação conceitual explica, entre tantas coisas, porque temos de conviver com aparelhos eletrônicos tão complexos, que nos fazem pensar que nos tornamos ignorantes.
Minha esposa é mestre em engenharia de sistemas. Foi desenvolvedora do banco de dados DB2 no laboratório da IBM no Silicon Valley. Há algum tempo atrás, antes de adquirir um iPhone, estava se sentindo impotente por não conseguir dominar um celular Motorola equipado com o sistema Android. Google e Motorola, não tentem me convencer de que tenho que ler o manual para saber como interromper uma ligação feita por engano, já que o telefone não tem tecla de cancelar. Não me façam pensar que sou incapaz porque não consigo achar onde fazer parar o alarme que não para de tocar. Não me digam que 8 horas é suficiente para uma bateria de telefone celular, pois era esta a autonomia daquele telefone. O problema não era ela, o usuário. O problema estava naquele aparelho que foi (mal) projetado para fazer um trilhão de coisas inúteis e mal pensadas e que, como telefone, era um fracasso. Esse aparelho e sua concepção são de uma deselegância tal que fico me perguntando… Quem testa essas coisas? Aliás, existe tempo para testes? Talvez não. Esse é um dos problemas modernos: a inovação tem que chegar rápido às prateleiras. Mesmo que não tenha sido realmente testada, ou testada por técnicos que não pensam como os usuários. Muitas vezes, os danos à marca são ireparáveis.
Vejam o caso da Brastemp. Um consumidor insatisfeito com o produto arranhou fortemente a imagem da marca nas mídias sociais. Aliás, tenho um forno de micro-ondas Brastemp. Ele tem 200 funções inúteis. Como uma incrível tecla «Do Meu Jeito». Leigos em tecnologia, ao ver essa funcionalidade mágica pensarão: «Pronto! Agora fizeram algo pensando em simplificar minha vida». Ledo engano. Mais uma mentira do marketing. Poucos sabem que fornos de micro-ondas não possuem níveis intermediários de potência. Eles possuem um dispositivo que liga ou desliga a emissão das ondas. Resumindo: não importa o que você aperte no lindo painel frontal, o forno fará apenas duas coisas: ligar e desligar. A potência 50, nada mais é do que ligado 50% do tempo e desligado 50% do tempo em que sua comida está girando lá dentro. Isso reforça minha teoria de que os melhores microondas eram os primeiros, que tinham dois botões de girar. Um para potência alta/baixa, e outro para o tempo de cozimento. Pronto. Simples e rápido. Eu não compro mais Brastemp.
Falando em simples… Pergunto aos designers gráficos especialistas em identidade corporativa quantas vezes se confrontaram com a frase «Achei muito simples», ao apresentarem a um cliente uma proposta de identidade elegante e concisa. «Está faltando algo, tem muito espaço em branco, para que tanta margem no texto. E se colocássemos uma marca d’água? O logotipo está muito pequeno», e por aí vai… Será que o culpado é o papagaio ou a arara, estes bichos com várias cores na plumagem? Bem, aqui temos um aparte. O "designer" que projetou estes animais parece ter equacionado perfeitamente a harmonia, o equilíbrio e o ritmo das cores. O cara é profissional! E o tucano então? Cada cor perfeitamente posicionada e definida. É obra de um mestre. Pois bem, talvez o problema esteja na educação de quem interpreta esse repertório.
Tropicalismo pode ser inspiração para todos. Alguns têm educação e sensibilidade para interpretar esse fenômeno e criar algo elegante, enquanto outros, menos treinados ou educados visualmente, acabam por gerar a barbárie e a aberração. Costumo dizer que quando caminho no centro de minha cidade, Porto Alegre, conheço espécies raras de araras e papagaios. Ao acordar pela manhã, eles abrem seus armários e têm à sua disposição todo o espectro de cores da plumagem destas lindas aves. Para a maioria, porém, falta a elegância de saber equilibrá-las em harmonia. Potencializado ao universo de uma sociedade, esse fenômeno talvez seja responsável pela necessidade do exagero e o não-entendimento da beleza do que é Simples.
Em outro bairro de minha cidade, exatamente o oposto em relação ao perfil sócio-econômico, encontramos outra espécie não menos rara de ave: os perus e peruas urbanos. Muda a etiqueta e os tons de cor da plumagem, mas o resultado é o mesmo: exagero de penduricalhos e apetrechos coloridos, prateados e dourados, que nos fazem pensar que estamos diante de um guerreiro urbano moderno. Correntes e colares gigantes, bolsas enormes, óculos cheios de rococós, sapatos com saltos enormes, várias peças sobrepostas e o pior, tudo junto num mesmo “outfit” como dizem os consultores de moda.
Assim como nossos papagaios e araras do centro, esses perus e peruas urbanos também não foram treinados para ser elegantes. Ou melhor, para ver com olhos elegantes. A elegância aparece na essência, no mínimo, no justo, no coerente, na clareza, na objetividade, na relevância, na pertinência, na delicadeza, no sutil, no sugestivo, enfim, na simplicidade.
Tenho certeza de que não estamos prontos para sermos Simples enquanto sociedade. Temos um longo caminho pela frente. Temos que entender que, mais importante do que o que DEVE estar PRESENTE, é o que DEVE estar AUSENTE. Tão importante quanto o que DEVEMOS fazer é o que NÃO DEVEMOS fazer. É simples assim! Assim como o que torna uma letra legível não é apenas o preto que a compõe, mas o branco que a circunda, no design, mais importante do que o que deve ser evidenciado é o que deve ser omitido. É a busca do MÁXIMO IMPACTO com o MÍNIMO ESFORÇO. E atingir esse objetivo é muito mais difícil que encobrir o centro da questão com exageros. Ser complexo é mais fácil!
Vamos exercitar a elegância. Chega de excesso de adornos, funcionalidades inúteis e informação irrelevante. Os clientes precisam saber que mais difícil do que adicionar coisas é o ato de retirar coisas. Retirar os excessos e deixar somente o essencial. Isso é trabalhoso. E é justamente esta a diferença entre a complexidade e a elegância.
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