Qual é o problema por tras o pedido do cliente?

Pablo e Soledad descrevem o problema do valor percebido pelo cliente e começam a desenvolver uma atitude diferente perante a incerteza trazida pela gestão do seu estúdio.

Fernando Del Vecchio, autor AutorFernando Del Vecchio Seguidores: 819

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Muitos clientes solicitam serviços a um designer unicamente para lhe indicarem «como deve ser realizado o trabalho». Isto significa que o cliente conhece a solução para o seu problema, colocando o designer numa posição de tradutor da sua solução para linguagem gráfica, ou de «operador de design». É possível que o cliente compreenda o problema… mas pode ser que não. E é aqui que o designer acrescenta valor, se realmente acredita que pode fazê-lo e tem as ferramentas para tal.

Uma dessas ferramentas é a compreensão do problema do cliente. Todos os pedidos têm subjacente um problema, e esse problema não é o pedido explícito. Essa é a «solução proposta pelo cliente». Quando o designer recebe um pedido de um cliente e responde à solicitação explícita, sem avaliar o que significa esse pedido e que problema existe por detrás dele, coloca-se claramente numa posição de operador de design, ainda que isso seja justamente o que pretende evitar.

Para compreender o problema que está por detrás do pedido, podemos mudar a pergunta realizada pelo cliente e, dessa forma, apresentar uma proposta técnica e económica de acordo com o nível profissional que desejamos projectar.

Pablo e Soledad são designers gráficos e decidiram associar-se, depois de alguns anos a trabalharem de forma independente, para formarem um estúdio de design.

Soledad tem vinte e quatro anos e vem de uma universidade privada. Trabalhou como trabalhadora dependente em diversos estúdios desde a altura em que terminou os estudos (há já três anos). Depois de dois anos a trabalhar para outros decidiu explorar a possibilidade de trabalhar para si mesma, com os seus próprios clientes.

Pablo tem vinte e sete anos, é designer gráfico e veio de uma universidade pública. Desde muito cedo trabalhou como profissional independente (nunca em relação de dependência) e é a primeira vez que tenta desenvolver a sua actividade em conjunto com outro profissional.

Pablo e Soledad conhecem-se desde crianças. O irmão de Pablo, Manuel, foi colega de colégio da Soledad. Partilham desde adolescentes o seu interesse pelo design e Pablo foi determinante na opção de estudar design feita por Soledad (embora não tenha concordado com o facto de os seus pais a enviarem para uma universidade privada).

Em determinado momento colocaram a possibilidade de trabalharem juntos e, aparentemente, esse momento chegou. No entanto, é possível que as boas intenções não sejam suficientes para obterem o êxito que desejam, não já como designers independentes, mas como estúdio que leva a cabo os seus sonhos de desenvolvimento profissional.

  • Soledad: - No outro dia, quando saímos da reunião, fiquei a pensar no que disseste sobre os problemas…

  • Fernando: - A ver…

  • Soledad: - Disseste algo como «os problemas não são reais ou objectivos… Pode ser?

  • Fernando: - Disse que não existe algo assim como um «problema real ou objectivo», já que aquilo que avaliam como um problema, outra pessoa pode nem considerá-lo como tal.

  • Pablo: - … Estive toda a semana com isso; já estava um pouco cansado com: «isto é um problema e isto não, de acordo com o que me disse o Fernando» (risos)

  • Soledad: - É que tenho que compreender bem, antes de assumirmos um compromisso que não sabemos muito bem onde nos pode levar.

  • Fernando: - Muitas vezes reagimos perante situações que não são um problema e apenas geramos frustração pela impossibilidade de mudar as coisas. Isto acontece em todos os aspectos da vida. Mas voltando ao tema do estudo e à identificação dos problemas, o que disse no outro dia refere-se a uma frase de Fred Kofman:

    «Os problemas são interpretações de um observador que opina que as circunstâncias não são as apropriadas para satisfazer os seus interesses. Chamar problema a algo é revelar a insatisfação que alguém sente com a situação».
  • Soledad: - Quem disse isso?

  • Fernando: - Fred Kofman. É o autor de um livro muito interessante chamado «Metamanagement» .

  • Pablo: - Nunca o lerei… (risos).

  • Fernando: - Nem tens que o fazer… Não te preocupes que não te vou dar trabalhos de casa. Posso contar-te o que diz e além disso recomendar-te ler este e outros livros e artigos. Outra coisa importante que menciona é que:

    «Um problema é sempre um juízo, feito por uma pessoa, sobre a existência de uma brecha entre o que quer e o que experimenta. É por isso que os problemas nunca são externos ou independentes da pessoa para quem constituem problemas.»

  • Soledad: - Então o que considero um problema pode não o ser para outra pessoa?

  • Fernando: - Exactamente. É mais, o que para ti pode ser um problema, pode não o ser para outro designer gráfico, trabalhando em condições similares às tuas.

  • Soledad: - Sim, compreendo. No dia seguinte à nossa reunião anterior estive a falar com uma ex-colega da faculdade. Telefonou-me para me perguntar o preço de um serviço que lhe pediram e terminamos a conversar sobre esse tema do valor e preço do nosso serviço.

  • Fernando: - E?

  • Soledad: - E… Terminamos a falar sobre o mesmo que conversámos contigo: a falta de uma associação que nos defenda perante a valorização do nosso trabalho.

  • Fernando: - E então?

  • Soledad: - Ao falar com ela dei conta de que estávamos a falar de algo que não tem solução a partir da nossa posição. Deixa-me ver como te posso explicar… Tive a sensação que a nossa conversa era uma perda de tempo. A ideia é encontrar uma forma de apresentar ao cliente uma proposta, de forma tal que a valorize e aceite o preço que lhe estamos a apresentar.

  • Fernando: - Exactamente.

Se não temos qualquer tipo de poder, autoridade e influência para intervir sobre aquilo que consideramos um problema, então não se trata de um problema mas sim de uma circunstância desagradável da realidade.

  • Soledad: - Partindo da definição de problema, a brecha seria: a conduta esperada é «o cliente aceita a proposta e o preço da mesma»; a conduta real é: « o cliente não aceita a proposta e tenta regatear o preço». Então posso pensar que o problema, ou a brecha, neste caso se relaciona com o valor percebido pelo cliente.

  • Fernando: - Quando o cliente tenta regatear o preço, vocês interpretam-no como uma falta de valorização do trabalho.

  • Pablo: - Sim, totalmente.

  • Fernando: - Então, tendo definido a brecha a partir dessa situação, podemos definir agora qual é o problema?

  • Pablo: - Creio que o problema tem que ver, como conversámos na semana passada, com o valor do trabalho percebido pelo cliente.

  • Fernando: - É uma forma de vê-lo.

  • Pablo: - O problema é «o preço é maior que o valor percebido pelo cliente».

  • Fernando: - Então?

  • Pablo: - Então devemos trabalhar para que não haja qualquer problema nessa dimensão da proposta.

  • Fernando: - Ou seja, fechar a brecha: o cliente valoriza a proposta e aceita o preço da mesma.

  • Soledad: - Sim… E como fazemos isso?

  • Fernando: - Trabalhando sobre a percepção do valor da proposta, apresentando-a como uma solução para um problema – por exemplo, um problema de comunicação – da perspectiva do cliente.

  • Soledad: - Isso significa que se um cliente nos pede uma proposta para fazer um logo…

  • Fernando: - Não deveriam enviar-lhe um orçamento para fazer o logo. Primeiro deveriam compreender qual é o problema subjacente ao pedido do logo.

  • Soledad: - Não entendo…

  • Fernando: - Vejam, isto é básico: geralmente tratamos – e incluo-me aqui – de responder às perguntas da forma que se nos apresentam. Quer dizer, quase nunca – salvo excepções – tentamos modificar a pergunta que nos fizeram para encontrar o problema subjacente à mesma.

  • Soledad: - Estás-me a confundir... Podemos ir directamente ao problema do logo?

  • Fernando: - Refiro-me a que o modo de colocar a pergunta limita a resposta, e se não somos conscientes de que modificando a pergunta podemos encontrar o problema, então estaremos sempre a responder aos pedidos dos clientes em vez de estarmos a responder aos seus problemas.

  • Soledad: - Não entendi nada.

  • Pablo: - Eu sim… Trata-se então de mudar a pergunta?

  • Fernando: - Sim. O cliente traz o que para nós pode ser um problema, que pode ser – neste caso – que precisa de um logo novo para a sua empresa, ou para fazer novos cartões de visita.

  • Soledad: - E qual é o problema se respondemos a esse pedido?

  • Pablo: - O Fernando refere-se a não estarmos a escutar o problema do cliente.

  • Soledad: - O problema é o logo.

  • Pablo: - Podes concentrar-te um pouco na conversa? Estamos a falar de mudar a pergunta do cliente para podermos responder ao seu problema. O problema não é o logo!

Muitos clientes solicitam os serviços de um designer, unicamente para lhe indicar «como deve ser realizado o trabalho». Isto significa que o cliente conhece a solução para o seu problema, colocando o designer numa posição de tradutor da sua solução para linguagem gráfica, ou de «operador de design».

  • Soledad: - Não é necessário elevares o tom de voz…

  • Fernando: - Vejam... para ser novamente aborrecido citando um livro...

  • Soledad: - Mais outro? Quantos mais? Por favor…

  • Fernando: - Volto a repetir: não tens que o ler, apenas tens que atender ao que te digo e tentar compreender, a partir da tua posição de direcção num estúdio de design.

  • Soledad: - Bom, vamos ver. De quem nos vais falar agora?

  • Fernando: - Guy Kawasaki... que expõe...

  • Pablo: - Sim, conheço-o.

  • Soledad: - Que bom, melhor assim. Já são dois!

  • Fernando: - Em «Regras para revolucionários» há uma passagem que diz exactamente o que vos disse antes:

    «O modo de colocar a pergunta limita a resposta. […] Quase nunca modificamos espontaneamente a formulação de um problema apresentado de forma clara e completa. [Isto denomina-se] efeito postulador porque as pessoas tentam resolver o problema tal como se apresenta.»

  • Soledad: - E qual é a lição?

  • Fernando: - A lição é que, mudando a pergunta, mudamos a resposta.

  • Soledad: - Sim, é óbvio…

  • Fernando: - Bem, então agora poderás dizer-me como mudar a pergunta relativa ao pedido do cliente que solicita um logo.

  • Soledad: - Não sei, para isso estás cá tu…

  • Fernando: - Se eu mudo a pergunta, então estarei a avaliar as possibilidades de problemas a resolver a partir do meu ponto de vista, e aqui o único que importa é o vosso, como provedores de soluções de comunicação visual.

  • Soledad: - Nós vendemos design… O que é isso de soluções de comunicação visual?

  • Fernando: - Ah, esqueci-me que – como estudaste design – a única coisa que tens capacidade para «vender» é isso: design.

Os designers gráficos não vendem design, porque os clientes não compram design. Quando um cliente nos apresenta um pedido, podemos interpretar que deseja uma solução a um problema de comunicação. Essa solução não é design, mas sim uma peça de comunicação (o design é a «tecnologia» para conseguir a solução, em forma de produto).

  • Pablo: - Soledad, hoje estás um pouco… distraída, para não utilizar um termo um pouco mais agressivo…

  • Fernando: - Voltando ao tema… Mudar a pergunta ajuda à compreensão do problema do ponto de vista do cliente. O problema, como já vimos, é uma brecha entre uma conduta esperada e uma real. Então, tratemos de descobrir o problema do cliente, para propor a melhor forma de atravessar o rio…

  • Soledad: - E de que estás a falar agora?

  • Fernando: - Cito Shakespear… Em alguma nota que li por aí, ele diz que «muitas vezes pedem-me um barco, mas do que precisam é de atravessar o rio». Seguramente leram-no…

  • Soledad: - Não.

  • Pablo: - Sim, claro…

  • Fernando: - É disso que se trata, de encontrar o que o cliente precisa, apesar do seu pedido expresso.

  • Pablo: - Entendo…

  • Soledad: - E como o fazemos?

  • Fernando: - Conversando com ele. Vocês saberão que tipo de perguntas terão de lhe fazer. Finalmente poderiam apresentar-lhe uma proposta que indique: o que entenderam sobre o seu pedido, o que vão fazer, como vão fazer, quando lhe vão entregar avanços no trabalho para a sua aprovação, quando lhe vão entregar o trabalho terminado, qual é o preço do trabalho e como o vai pagar. Quer dizer, uma proposta técnica e uma proposta económica. Nada mais.

A proposta de serviços é muito mais que uma simples linha que indique o preço do trabalho. Essa proposta deve definir claramente que a solução proposta é a resposta a um problema que compreendemos (ou que, pelo menos, tentamos compreender). A proposta de serviços é a argumentação profissional que separa o designer profissional do que não é. A proposta económica é o preço que traduz o serviço em termos de dinheiro.

  • Soledad: - Nada mais? Tudo isso vai levar muito tempo. Isso implica reunirmo-nos com o cliente, conversar com ele, fazer a proposta… são muitas horas de trabalho inútil se não obtivermos o trabalho.

  • Fernando: - Ah, precisas de ter a certeza de obter cada pedido recebido de um cliente…

  • Soledad: - Obviamente que sim.

  • Fernando: - E isso é o que tens tentado fazer todo este tempo, certo? Mesmo que isto signifique baixar as tuas expectativas de lucro pelo constante regateio dos clientes… Porque quando afortunadamente «cai» um pedido de trabalho, não há que deixá-lo ir, porque não podemos deixá-lo escapar das nossas redes… como não saímos para procurar clientes… É assim?

  • Soledad: - …

  • Fernando: - Todo este trabalho está orientado para desenvolverem algumas competências de gestão, entre as quais se encontra a gestão da incerteza. Gerir essa incerteza significa suportar algumas ideias que talvez hoje não possam tolerar.

  • Soledad: - Como qual?

  • Fernando: - Como a ideia de recusar trabalhar para certos clientes, mediante certas condições.

  • Soledad: - Mas fazendo todo esse trabalho extra, e peço desculpa, porque não quis dizer que era um trabalho inútil o das reuniões e outros, acreditas que vamos conseguir os clientes que precisamos?

  • Fernando: - Não é certo, mas é altamente provável. Pelo menos em comparação com outros estúdios nas mesmas condições em que vocês se encontram hoje. Isto é, em relação aos vossos concorrentes actuais. Vocês consideram este trabalho «extra» unicamente porque nunca o fizeram. Este trabalho extra faz parte das actividades normais de qualquer empreendimento, estúdio, comércio… como lhe queiram chamar.

  • Pablo: - Nunca me disseram que ia ter que fazer tudo isso para conseguir obter um cliente.

  • Fernando: - É pena. Terias poupado uma grande quantidade de aborrecimentos e lutas.

  • Soledad: …É certo.

  • Fernando: - Bom, definitivamente, têm que decidir se vão continuar a lamentar-se pela vossa situação, ou começar a pensar a profissão de outro prisma, muito diferente da ilusão que têm sobre ela.

  • Soledad: - Sim, bom… em parte estamos cá para isso.

  • Fernando: - Creio que vocês sabem o que devem começar a fazer; agora têm que começar a aceitar que o que devem fazer talvez seja um pouco incómodo nesta primeira etapa, já que se trata de compreender outras coisas e atender aos aspectos da profissão que antes consideravam como «desagradáveis». É assim?

  • Pablo: - Sim!

  • Fernando: Bem, fico contente que vão aflorando os modelos mentais. Então seguimos em frente?

  • Pablo: - Claro que sim, não te vais livrar de nós tão facilmente (risos).

  • Soledad: - Tenho que ir embora…

  • Fernando: - OK. Então comecem a escutar os pedidos dos clientes com uma atitude diferente. Tratem de descobrir o que quer, por detrás do pedido do logo. O logo é a sua proposta, a sua resposta a um problema que desconhecemos.

  • Pablo: - Mas antes de irmos podemos resumir o que conversámos?

  • Fernando: - Claro. Entender o problema que apresenta o cliente, a partir do pedido que nos faz, implica – em muitos casos – não responder especificamente à sua solicitação. Ter uma entrevista com o cliente que nos solicita um orçamento, para compreender o que está por detrás do seu pedido, permite-nos apresentar-lhe uma proposta técnica e económica que contemple dois aspectos que nos importam: o trabalho em si e a recompensa esperada pelo trabalho (expectativa de lucro).

  • Soledad: - Em algum momento vamos abordar o tema de como conseguir novos clientes?

  • Fernando: - Claro que sim, mas teremos que trabalhar essa inquietude da forma como estamos a abordar este tema da valorização do trabalho.

  • Soledad: - Mudando a pergunta? Não podes apenas responder directamente à pergunta?

  • Fernando: - Alguma vez algum colega te deu uma boa resposta a essa pergunta de como conseguir clientes?

  • Soledad: - Nem me fales…

  • Pablo: - (risos).

  • Fernando: - É necessário que te diga algo mais? Creio que não. Até à próxima.

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Texto traduzido ao portugués por Raquel Costa Pinto (Ciudad de Porto, Portugal).

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