Primeiros passos da animação publicitária brasileira

Precursora do cinema e do desenho animado, a animação tomou emprestada a linguagem dos já populares quadrinhos e das caricaturas, como referência gráfica nacional.

Luiz Claudio Gonçalves Gomes, autor AutorLuiz Claudio Gonçalves Gomes Seguidores: 46

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O cinema publicitário brasileiro, como na maioria dos países, nasceu junto com o próprio cinema. A partir do momento em que os irmãos Lumière apresentaram seus primeiros filmes ao público, os anunciantes quiseram participar do espetáculo cinematográfico e ver sua marca projetada na telona. Não em vão, durante anos eles usaram o espaço de representação como suporte publicitário. Nos teatros do século XIX, era comum encontrar expositores, cartazes publicitários e projeções de placas de lanternas mágicas de conteúdo comercial. Introduzir essas marcas e produtos nas sessões de cinema foi, portanto, uma consequência natural para os anunciantes e cineastas. Os primeiros conseguiram mostrar seus produtos para um grande público, enquanto que os cineastas encontraram nessa prática uma fonte adicional de renda e nada insignificante.

Felizmente, existem muitos filmetes que podem ser incluídos em um catálogo sem que paire qualquer dúvida de seu conteúdo publicitário. Tomemos como exemplo o diretor Ramón de Baños, pioneiro do cinema catalão, que conta em sua autobiografia como os comerciantes de Belém do Pará, cidade onde trabalhou durante o período em que residiu no Brasil (1911-1914), vieram até ele para que filmasse suas empresas em troca de um montante previamente acordado (BAÑOS, 1991). Não menos comum era a prática de filmes com caráter documental, propaganda política, para além dos reclames (ROCHA, 2007).

No hemisfério norte, inúmeros desenhos animados são lançados na aurora do século XX inspirados nas histórias ilustradas para garantir suas chances de sucesso e tomando os quadrinhos como modelo. Assim, entre tantos, surgem dois grandes sucessos, ambos de 1916. Trata-se de Krazy Kat e Mutt and Jeff, que marcam uma das maiores bilheterias na história do desenho animado comercial de sua era.

Entretanto, somente com a misteriosa história de um personagem criado para o cinema mudo é que a grande tela ganha seu maior protagonista. O carismático Gato Félix passa ocupar um espaço particular e próprio no cinema de animação como fórmula autônoma e não mais no papel de promover as histórias em quadrinhos. Segundo Crafton (apud LUCENA JÚNIOR, 2002), o Gato Félix ultrapassava a barreira do social e de gerações, equiparando-se ao sucesso do cinema live action de Charles Chaplin. O famoso gato era perfeitamente consciente do mundo irracional que habitava.

Os primeiros registros do uso de animação na propaganda brasileira se dão na década de 1920, quando são registradas algumas pequenas animações inseridas em documentários exibidos no cinema. Algumas peças publicitárias se destacam, como «Sapataria Pé de Anjo», exibida no Cine Central no Rio de Janeiro e «Cigarros Sudan», animação de Pasquale Michelle Faletti (OLIVEIRA, 2013).

Em terras brasileiras, desde que Álvaro Martins (Seth) lançou «O Kaiser», primeiro desenho animado brasileiro, em 1917, o cinema de animação nunca mais parou de produzir filmes comerciais e publicitários. No filme, a caricatura de Guilherme II – imperador alemão durante a Primeira Guerra – é devorada pelo globo terrestre. Em outra sequencia, o Presidente Nilo Peçanha surge, também como caricatura, abrindo um escandaloso sorriso. Sua exibição no cinema dura apenas três dias, mas tudo indica que foi bem acolhido pelo público da época, considerando a novidade da «caricatura animada em cinematographia» (A NOITE apud MORENO, 1978, p. 51), conforme nomenclatura e grafia da época.

Tudo indica que, após sua experiência com o cinema autoral, Seth passou a dedicar seu trabalho de cineanimador à propaganda. Segundo Antônio Moreno, «Seth dedicou-se ao desenho de propaganda, onde obtinha maus lucros [sic] e certeza de exibição, anunciando, como por exemplo, o novo sistema de telefones automáticos» (1978, p.66 – grifo nosso). Evidentemente a nova atividade, ligada à propaganda, lhe permitiria melhores condições de subsistência.

À primeira vista, a impressão que temos é que a nossa realidade terceiro-mundista sempre nos deixa para trás. Ainda que haja certa verdade nesse sentimento – afinal nosso país com dimensões continentais ainda permanece como uma ilha tropical que fala um idioma único no continente em que ancora –, no campo do cinema de animação não começamos nossa aventura tão tarde assim. Afinal, a primeiro-mundista Inglaterra não obteve grandes avanços até que sua primeira produção em longa conquistasse um importante território no campo cinematográfico. Trata-se do desenho animado adaptado da obra de George Orwell «Animal Farm», realizado em 1954 por Joy Batchelor e John Halas. A introdução da animação na Inglaterra foi muito mais lenta e tardia que nos Estados Unidos devido à escassa implantação da indústria dos quadrinhos e nenhuma tradição de cinema de animação. A dupla de cineanimadores monopolizou, desde a fundação de sua companhia em 1940, a maior parte da animação inglesa, estendendo seus domínios aos filmes publicitários e científicos. Moreno (1978, p.56) ressalta a importância do estúdio já que depois daquele filme «houve uma modificação total no desenho animado inglês: os velhos padrões ‘disneyanos’ foram abandonados, e nasceu um novo estilo».

Nesse contexto|Em uma era de pleno domínio das animações de Disney, tanto mercadológico quanto estético, destaca-se o hercúleo trabalho do brasileiro Anélio Lattini que, sozinho, produziu ao longo de seis anos seu premiado longa «Sinfonia Amazônica», exibido pela primeira vez 1953 em telas brasileiras. Lattini era um desses milhares de apaixonados pelo estilo de Disney e criou, a partir disso, seu mundo de fantasia adaptado às questões nacionais, mais especificamente ao folclore amazonense. O filme foi um sucesso, porém, após alguns desencontros de ordem financeira, Moreno relata que «Lattini recolheu-se então ao desenho [animado] publicitário» (1978, p.86).

Outro marco na animação brasileira daquele mesmo período (1952) são aquelas que tinham foco na prevenção contra determinadas enfermidades e higiene pessoal como viriam a ser aquelas inserções na televisão dos anos 70, com Sujismundo e Dr. Prevenildo, de Rui Perotti. Naquela ocasião os filmes veiculados pelo Serviço Especial de Saúde eram campanhas de alerta e de esclarecimento para prevenção de contágio, ou promover a eliminação de focos geradores de doenças.

Em meados dos anos de 1980 Fusari (1985) ressaltava que a experiência com o cinema de animação nacional resultava, sobretudo, de tentativas isoladas e com grandes dificuldades de produção e distribuição. Exceção feita para Maurício de Sousa Produções que vem conquistando, desde então, um amplo mercado nacional e internacional para o desenho animado comercial e publicitário.

Aqueles anos televisivos já não eram tão dourados como o estilo Disney de fazer desenho animado, hegemonia que perdurou ao longo dos anos 30 e 40. Opondo-se à estética do maneirismo de Disney uma opção mais racional, sobretudo ao que se refere à produção do filme animado, ganha amplo terreno e conquista corações e mentes nos anos que se seguem. O estilo Zagreb, adotado e difundido pela UPA (UnitedProductions ofAmerica), irá influenciar toda uma geração de cineanimadores, incluindo os brasileiros pioneiros do filme animado publicitário, ainda tão incipiente nos anos de 1950.

A animação publicitária brasileira absorveu rapidamente, e por longa data, o encantamento do público pelos animais antropomorfizados como protagonistas ou como simpáticos e espontâneos personagens. Mesmo sem querer, a indústria de Disney, bem como de seus concorrentes e imitadores, beneficiou o desenho publicitário por meio das animações extraídas de contos, mitologias, lendas, romances e narrativas que incorporam elementos do gênero musical com canções e coreografias que entremeiam os longas-metragens. Caiu como uma luva. A grande luva da mão antropomórfica de Mickey em uma sociedade cada vez mais consumista.

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Bibliografía:

  • BAÑOS, R. Memories de Ramón de Baños. Un pioner del cinema catalá a l’Amazonia. Barcelona: Ixía Llibres, 1991.
  • FUSARI, Maria Felisminda. O educador e o desenho animado que a criança vê na televisão. São Paulo: Edições Loyola, 1985.
  • LUCENA JÚNIOR, Alberto. Arte da animação:técnica e estética através da história. São Paulo: Ed. SENAC, 2002.
  • MORENO, Antônio. A experiência brasileira no cinema deanimação. Rio de Janeiro: Artenova, 1978.
  • OLIVEIRA, Isabela Veiga. A representação brasileira no cinema de animação nacional: identidade, mercado cinematográfico e prática artística. Dissertação (mestrado). Faculdade de Artes Visuais. Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2013.
  • ROCHA, Adriano Medeiros da. Cinejornalismo brasileiro: uma visão pelas lentes da Carriço Film. Dissertação (mestrado). Comunicação Social, UFF, Niterói, 2007.
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