As artes (moderna e pós-moderna) do livro infantil
Muitas gerações de artistas visuais e ilustradores atravessaram as décadas que transpassaram a cultura moderna para um novo clima que habituou-se chamar pós-modernismo.
AutorLuiz Claudio Gonçalves Gomes Seguidores: 46
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Dentre as modalidades do discurso pós-modernista, a colagem/montagem pode ser considerada a mais primária. Acredita Cauduro (2000) que a heterogeneidade, importante característica da produção pós-moderna, estimula os receptores de imagens e de textos a produzir significações instáveis, o que torna a produção de sentidos subjetivos para os artefatos culturais uma atribuição tanto de autores e produtores de imagem como de seus consumidores.
«[…] o produtor cultural só cria matérias-primas (fragmentos e elementos), deixando aberta aos consumidores a recombinação desses elementos da maneira que eles quiserem. O efeito é quebrar (desconstruir) o poder do autor de impor significados ou de oferecer uma narrativa contínua».
Não é para menos que a estética do palimpsesto é abundantemente empregada na elaboração de projetos editoriais na era pós-moderna. A textura que se tomou emprestada da antiguidade, serve agora como substrato para os ilustradores que se alimentam da instabilidade, da imprecisão, da fragmentação, da reciclagem e de memórias descontínuas para lançar ao público jovem a racionalidade (ou a falta dela) insegura das composições, que poderão trazer ou não algum sentido lógico e reproduzível da obra (CAUDURO, 2000).
Como representação visual, o pastiche é literalmente trabalhado através de retalhos por muitos ilustradores contemporâneos que o adota como técnica. O sentido figurado da técnica é levado ao extremo na concretude do objeto que é encarnado no mosaico de imitação de diferentes estilos e/ou autores. O pastiche visual é terreno fértil para a estética gráfica do palimpsesto, amplamente cultivada nas ilustrações editoriais.
O movimento pop art, iniciado nos anos 50 e maturado nos 60, é um ótimo exemplo que podemos dar no sentido de uma melhor compreensão sobre os efeitos e resultados do pós-modernismo nas artes visuais. A pop art é tida como o marco que põe fim à modernidade na cultura ocidental. Seus maiores representantes são seu precursor Robert Rauschenberg e Andy Warhol. Se o segundo se converteu no símbolo maior daquele movimento, ao primeiro se deve a notabilidade e o pioneirismo no movimento pós-modernista, segundo muitos críticos (CAUDURO, 2000)
O movimento procurava a estética das massas, tentando achar a definição do que seria a cultura pop, apropriando-se do aspecto banal ou kitsch de algum elemento cultural, frequentemente por meio da ironia. Com essa aproximação entre arte e design comercial o artista borrava, intencionalmente, as fronteiras entre o erudito e o popular, concebendo, assim, a obra sem enfatizar tanto a arte em si, mas as atitudes que a conduzem.
Anna Calvera (1992) considera o kitsch como uma questão obsoleta uma vez que já tenha sido incorporado, não como estilo, mas como comportamento, às necessidades e aos costumes que, em uma sociedade dominada pela lógica industrial ou pós-industrial, ainda se satisfazem com os objetos de design. Ainda assim, o kitsch, a moda, a nostalgia, o pastiche e a sobreposição são o que dão a liga necessária para as novas formas culturais do pós-modernismo.
Para Harvey (1992, p. 58), o pioneirismo de Rauschenberg destacou-se por reproduzir – em vez de produzir – suas imagens através do «confisco, citação, retirada, acumulação e repetição de imagens já existentes», o que fez com que a aura modernista do artista, como produtor, tenha sido dispensada.
A pós-modernidade levou os artistas visuais a imprimirem a visão de um mundo baseada em experiências de sequências gráficas cambiantes, com sobre e justaposições, caracterizada pela presença da estética do palimpsesto, como parte de uma estrutura capaz de promover experiências complexas para os paleógrafos e arqueólogos do futuro.
Há algum tempo, as artes gráficas vem apresentando a estética visual do palimpsesto e outras modalidades de representação gráfica na (des)construção do objeto visual comunicador. Com tais recursos, é criada uma narrativa gráfico-visual de textura cambiante que coaduna com a liquidez típica da era contemporânea.
No campo da visualidade, os traços mais notáveis da arte pós-moderna são a valorização das formas industriais e populares, o enfraquecimento das barreiras entre gêneros e o uso deliberado e insistente da intertextualidade, expressa frequentemente mediante a «colagem» ou o pastiche.
Na literatura, o pós-modernismo provocou a fusão do espaço e do tempo na narração e a percepção difusa da realidade, assim como os diferentes pontos de vista do(s) narrador(res), junto à simultaneidade dos gêneros, especialmente no romance, levou à ruptura das técnicas clássicas, abolidas por uma absoluta liberdade tanto em estilo, como em forma e fundo. Na literatura de imagens a realidade e a ficção compartem o mesmo espaço-tempo e isso se assemelha à cinematografia, onde os desenhos animados compartilham os mesmos lugares e a mesma vida que os atores de carne e osso.
Um dos sintomas sociais mais significativos da pós-modernidade foi muito bem traduzido pelo cinema nos filmes Matrix e Blade Runner, além de toda filmografia de Larry Clark, onde o realce da estética e a ausência de culpa causal, unidos à percepção de um futuro e uma realidade incerta, ficam evidentes. Em todos observamos preeminência dos fragmentos sobre a totalidade, ruptura da linearidade temporal, abandono da estética do belo ao estilo kantiniano, perda da coesão social e, principalmente, a primazia de um tom emocional melancólico e nostálgico.
Atenção à cultura de massa e à democratização estética como resultado de seu propósito de unir o romance com a vida.
Este ponto é o que mais interessa na relação literatura e cultura popular, na medida em que o pós-modernismo está intimamente relacionado com a consolidação do fenômeno da massificação da arte, que em geral se manifesta pela integração (principalmente pela citação e o pastiche) de códigos canônicos e códigos massivos e que no campo particular da literatura dá origem ao termo «paraliteratura».
As características gerais da literatura pós-moderna também se manifestaram, como é de se supor, na literatura infantil atual.
Na era pós-moderna, as relações entre o sistema literário da literatura adulta e o sistema literário da literatura infantil têm sofrido mudanças, diluindo-se a oposição e mútua exclusividade. A tensão das fronteiras tem diminuindo, permitindo que as características, obras e funções de um sistema transpassem para o outro, com aparição de traços comuns aos dois sistemas.
Vale ressaltar que as mudanças na literatura infantil não apenas advém da incorporação de códigos da literatura de adultos, mas que tais mudanças também provem de outras áreas – Nikolajeva (1996, p, 65 – apud ORTEGA, 2005) adota a terminologia «semiosferas» – como o cinema, os quadrinhos e videojogos.
As mudanças nas normas literárias dentro do sistema da literatura adulta têm afetado a definição da literatura infantil atual, como afirma Nikolajeva:
«Minha tese é que um segmento crescente de literatura infantil contemporânea está transgredindo suas próprias fronteiras, aproximando-se da literatura convencional, e que apresentam as características mais proeminentes do pós-modernismo, tais como o ecletismo gênero, desintegração das estruturas narrativas tradicionais, polifonia, intersubjetividade, e metaficção».
O livro ilustrado remonta à primeira metade do século XIX, tendo Der Struwwelpeter (1844) de Heinrich Hoffmann como referência, mas que somente encontrou sua máxima produção e design no século seguinte quando confluíram dois momentos na história da humanidade que drasticamente o transformaram: a Modernidade e a Pós-modernidade. Aquela obra rompeu com os paradigmas da literatura da época, pois o preceito do autor, «a criança só compreende e concebe o que vê» (DURAN, 1999, p. 19), sem querer levou o autor alemão a criar um gênero literário dentro da literatura infantojuvenil, que foi o livro ilustrado.
Ao dar maior importância à imagem, o texto foi se omitindo ou se ajustando às exigências dos autores e, definitivamente, sua presença no livro ilustrado não se torna preponderante nem tampouco decorativa, mas como contraponto ou complemento.
No período pós-modernista, a materialidade do livro torna-se uma de suas qualidades mais exploradas, com a expansão da narrativa às guardas (capa, quarta capa, orelhas etc.), a exploração dos formatos e a quase ausência de texto.
O livro ilustrado vai além de seu estado de objeto impresso já que sua forma de comunicação com a criança se baseia em um novo «modo de ler». Um modo que não existia antes da Pós-modernidade e que se adéqua perfeitamente a esta nova realidade.
Na Pós-modernidade, o livro ilustrado encontrou outros suportes para difundir-se, como na web, vídeos, DVD ou CD com imagens e áudio. Até os dias atuais tem-se transladado do gráfico a outros gêneros como o cinema, o teatro e os musicais.
O livro ilustrado não é alheio à problemática contemporânea mas uma de suas representações que permite o estudo dos reflexos das sociedades que tem sido capturados nas páginas dos livros, propiciando inclusive estudos sobre os acontecimentos nas sociedades atuais.
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- CALVERA, Anna. El kitsch'92: la dignificación del souvenir olímpico. Temes de Disseny, 1, 7, 1992, p. 45-53.
- CAUDURO, Flávio. Design gráfico & pós-modernidade. Revista FAMECOS, nº. 13. Porto Alegre: PUCRS, dezembro 2000, p. 127-139.
- DURAN, Teresa. Hay que ver! Una aproximación al álbumilustrado! Salamanca: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, 1999.
- HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
- NIKOLAJEVA, Maria. Exit children's literature? The Lionand the Unicorn. The Johns Hopkins University Press. v. 22, nº 22, April, 1998. p. 221-233.
- ORTEGA, María Cecilia Silva-Díaz. Libros que enseñan a leer: álbumes metaficcionales y conocimiento literario. Tesis Doctoral. Universidad Autónoma de Barcelona. Departamento de Didáctica de la lengua y la Literatura y de las Ciencias Sociales. Barcelona, 2005.
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