O muro das lamentações
Neste texto questiono o caráter autocompassivo com que se aborda o problema do reconhecimento social da profissão.
AutorGuillermo Brea Seguidores: 185
TraduçãoAlvaro Sousa Seguidores: 16
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Dedicado aos que mais investiram na minha formação:
os meus clientes
Como é sabido, o chamado Muro das Lamentações é o que restou do Segundo Templo em Jerusalém, após o este ter sido destruído pelos romanos. No entanto, jogando com as palavras, gostaria de dar outro significado ao título do artigo: a ideia de que para os designers os lamentos funcionam como um muro. O Muro das Lamentações é a barreira de queixas e denuncias que, colocando a culpa sempre no cliente, impedem o designer de ver as próprias falhas e assumir o lugar do outro para compreender as suas razões em vez de o estigmatizar.
Criei uma lista dos lamentos mais ouvidos e tentei analisá-los através de uma desmontagem da perspectiva «umbiguista». Mantendo o tom religioso do artigo, os lamentos são dez e, como é possível observar, não há designer que não tenha usado, um que seja, pelo menos uma vez na vida.
- O cliente baseia a sua opinião no «gosto ou não gosto» (e o seu gosto é sempre ultrapassado, vulgar ou pretensioso).
- O cliente prefere a pior opção.
- O cliente quer o logótipo maior (ou o texto, ou o que quer que seja, desde que fique maior).
- O cliente é arbitrário e caprichoso.
- O cliente não confia em mim.
- O cliente muda de opinião todos os dias.
- O cliente quer tudo para ontem.
- O cliente põe a mão no MEU trabalho (sim, com o MEU em bold e caixa alta).
- O cliente destruiu o MEU desenho (com o MEU, se fosse possível, em caixa alta extrablack).
- O cliente não compreende o valor do design (sendo por isso que compra pelo preço).
Como bônus, uma lamúria adicional: «a universidade não me preparou para o mundo real», isto é, quando a falha não é do cliente, de alguém terá de ser! Por isso não admira que possa ser dos professores ou até mesmo dos pais. Antes de analisar estas queixas uma a uma, devemos ter em conta alguns pressupostos: dizemos «cliente» como se este fosse genérico, o que, definitivamente, não é assim; por outro lado, argumenta-se que estes problemas de projeto são específicos do design, quando na realidade estes se associam ao exercício da generalidade das profissões liberais. Assim sendo, o ser genérico ou específico varia segundo as nossas conveniências.
1. O cliente escolhe com base no seu gosto
Contra-argumento: Tem outro parâmetro para escolher?
O cliente escolhe em função do gosto quando não tem outra forma de avaliar. Isto não significa que seja ignorante. Quer antes dizer que não foram fornecidos parâmetros suficientes ou não o foram de forma correta. Para a maioria das pessoas, quando se explica alguma coisa, elas entendem; quando não entendem é porque lhes foi mal explicado. É mais fácil dizer «o cliente não compreende a razão» que «o cliente não entende as MINHAS razões», já que estas podem ser insuficientes, inadequadas ou incompreensíveis.
É mais fácil colocar o outro na posição de ignorante do que admitir que ele tem uma formação diferente da nossa. O cliente não tem obrigação de possuir conhecimentos projetuais, mas nós não deixamos de ter a obrigação de lhe explicar. Com isto quero marcar um ponto central: a explicação não é uma parte opcional do serviço que se espera do profissional.
A alternativa ao «gosto/não gosto» é gerar, junto do cliente, parâmetros de avaliação consensuais. Estes não devem basear-se nas minhas prioridade como designer mas antes na interpretação das necessidades do cliente, respeitando o seu pensamento e compreendendo as suas incertezas relativas ao risco que enfrenta.
2. O cliente escolhe a pior opção
Contra-argumento: Quem criou essa opção?
Esta é uma daquelas lamúrias que mais me chama à atenção, porque parece esquecer que essa opção também foi concebida por nós. Para além disso, convém não esquecer que um projeto é um processo. Um processo discutido em que se vão descartando umas respostas para que outras permaneçam, sendo que o que está em jogo e a VIABILIDADE. Umas alternativas são viáveis e outras não. Assim sendo:
- o cliente vê-se forçado a optar entre várias soluções, sendo que nenhuma lhe parece viável ou boa…
- o cliente opta pela opção mais viável, relegando para segundo plano os critérios gráficos.
No primeiro caso, convém sempre recordar que quando se contrata um serviço profissional, é suposto receber-se, junto com a assessoria, uma proposta. Quando não aceitamos a proposta apresentada e optamos por manter a nossa ideia é porque, quase sempre, o profissional não foi capaz de nos convencer, restando-nos duas alternativas: se o preço for baixo, indicamos-lhe o que deve fazer; se for alto, procuramos outro profissional.
A questão é que costumamos propor muito pouco. Quando um designer afirma que ofereceu três propostas ao cliente, habitualmente quer dizer que apresentou três respostas para a mesma pergunta. Propor significa fazer com que o cliente repense as questões e não que varie as respostas. Quando a capacidade para propor não convence, o cliente toma a iniciativa e o controlo do processo. O fato de isto acontecer não o transforma, obrigatoriamente, numa personalidade dominante. Acreditem em mim: nós erramos nalgum ponto do processo.
É por isso que o cliente pode escolher uma qualquer em detrimento das outras, e devemos ter em atenção o fato de dos seus parâmetros de seleção não serem apenas os do design mas também os comerciais, operacionais, financeiros, etc. Se a proposta graficamente mais forte não cumprir estes requisitos, então não é a melhor proposta.
3. O cliente quer o logo maior
Contra-argumento: A peça cumpre a sua missão?
Como dizia Knut Yran, às vezes o cliente pede uma ponte quando o que ele necessita é atravessar um rio. Normalmente, quando um cliente diz que quer maior, mais para ali ou mais para acolá, está a apontar alguma deficiência na peça apresentada, embora não saiba dizer bem qual é. Esse cliente conhece o seu negócio e, mais ainda, sabe algumas coisas sobre o seu público.
A questão é não blindar-se perante a alegada interferência no nosso trabalho, tentando detectar o que é que, aos olhos do cliente, está a falhar apesar de não saber como o expressar. Espanta-me o grau de teimosia que muitos colegas tem para defender um resultado que, muitas vezes, é mais esteticista que estético, passando por cima de qualquer necessidade operacional.
Alguns designers queixam-se do resultado obtido – onde a opinião de outros interferiu – porque lhes parece esteticamente repugnante, sentindo-se assim impedidos de assinar o trabalho. Essa base autoral descabida, segundo a qual um desdobrável se assina como se de um quadro se tratasse, é uma amostra do pensamento equivocado que há na nossa profissão.
Atrás disto está a lógica do portfólio. Numa brochura (impressa ou virtual) colocam-se apenas as peças que ficaram mais bonitas – isto é, as de que mais se gosta –, tenham sido aceites/produzidas ou não. De seguida mostramos esse portfólio aos clientes para que nos escolham e, para finalizar, queixamo-nos se avaliam o nosso trabalho segundo padrões pessoais de gosto.
4. O cliente é arbitrário e caprichoso
Contra-argumento: E os designers não o são?
Isto leva-me a um tema que, só por si, daria um artigo muito maior que este, pois está diretamente relacionado com o estado geral da disciplina. A hipótese que coloco é a de que o modelo atual de designer é, em muitos casos (gostava de esclarecer que estou a falar de muitos casos e não em todos os sequer na maioria), um operador com bons argumentos.
O que é que quero dizer com isto? A introdução do design na universidade fez com que os profissionais da área deixassem de ser meros operadores e passassem a ser definidos como comunicadores visuais. Isto estaria correto não fosse o facto de se ter ficado a meio do caminho, isto é, sermos operadores apelidados de comunicadores, mantendo-se o vazio do termo. Seres que podem usar palavras como pregnância, marca ou estratégia, mas não conseguem, na prática, ligar o projeto ao negócio do cliente. Quando o fazem parece resultar numa mistura de capacidade técnica com arbitrariedade autoral. Compreender o negócio do cliente e, acima de tudo, compreender que o negócio do design não é apenas design, é outra questão.
O que é que nos falta para sermos verdadeiramente comunicadores? Aquilo que toda a verdadeira comunicação requer: ter em consideração o OUTRO. Neste caso há um primeiro “outro” que é o cliente e, o mais importante, o seu público-alvo, isto é, o cliente dos nossos clientes.
Qual é o antidoto para a arbitrariedade (própria ou alheia)? O TESTE. A arbitrariedade do cliente combate-se com evidências mas, primeiro, é necessário saber testar – coisa que poucos designers se dão ao trabalho de aprender – e, segundo, estar disposto a compreender o que o teste nos dá. Essa não é, desde logo, uma ideia muito popular entre os designers gráficos porque implica uma redução importante do próprio ego.
5. O cliente não confia em mim
Contra-argumento: A confiança é um vínculo.
Este ponto está relacionado com o ponto anterior. A confiança não é um portfólio. A confiança, em qualquer relação profissional, é uma construção mútua que requer tempo, conhecimento, experiência, capacidade de resposta e, sobretudo, diálogo.
Muito antes de saber desenhar, o que um designer deve saber, primeiro, é escutar (e perguntar as coisas certas, também). O problema (e aqui vai outra possibilidade para continuar a angariar amigos) é que esta é uma profissão que pode ser exercida por gente demasiado jovem (a média de idades é, em comparação com a dos clientes, surpreendentemente baixa). Inicia-se demasiado jovem na profissão, exercendo-a de forma independente bem antes de somar “horas de voo”.
Isto gera, por um lado, inexperiência de vida e, por outro, isolamento, no que diz respeito à capacidade de trabalhar com outras pessoas, levando-o a não aprender o mais importante: capacidade de ouvir e perguntar. A formação obtém-se estudando, praticando e vivendo, sendo o design cada vez mais uma construção coletiva.
Quando um cliente pretende confiar um investimento importante a um profissional não espera só qualidade na sua prestação. Espera também saber que está nas mãos de alguém que lhe transmita confiança, isto é, alguém que saiba ouvir e tem formação para tomar decisões – muitas vezes difíceis – baseadas nas informações que escutou.
6. O cliente muda de opinião todos os dias
Contra-argumento: Existe uma noção de processo?
Um projeto de design é um processo, não só para o designer, mas também para o cliente que encomenda o projeto. O cliente também apreende o percurso, que se desenvolve num ciclo interativo de tentativa e erro. A questão prende-se com o compreender se esse processo é planificado ou aleatório? E, sendo planificado, quem é suposto ser responsável por essa planificação: o suposto especialista na matéria (neste caso o designer) ou alguém sem experiência? Quantos designers iniciam um trabalho com a entrega de um cronograma que inclui todos os passos a desenvolver no dia-a-dia, prevendo as dificuldades e atrasos que possa vir a surgir e que o cliente não tem como saber?
Projetar é antecipar em sentido alargado. Não só antecipar a existência de um objeto antes de o produzir, mas também prever todas as fases do processo de produção de tal objeto. Clientes rigorosos e metódico nos seus processos produtivos ou industriais vão, repentinamente, converter-se em anarquistas, só porque estão a lidar com designers? Porquê? Porque de repente enlouqueceu ou porque é mais atraente lidar com personagens incapazes de planear do que com os seus processos produtivos e profissionais capazes?
7. O cliente quer tudo para ontem
Contra-argumento: O design é parte de um processo produtivo.
Isto está intimamente ligado com o ponto anterior. A produção não é um mal necessário com que um deus vingativo resolveu punir os designers por estes ganharem dinheiro fácil. Um designer faz parte de uma cadeia produtiva e isso deve ser assumido como tal.
Saber quando acabar um processo é tão importante quanto saber como resolvê-lo. A gestão do tempo é cinquenta por cento da boa gestão de projeto, e é importante considerar os riscos que cada um assume. Uma tipografia coloca em cima da mesa um capital técnico, humano e financeiro, infinitamente maior do que o que coloca um designer gráfico, com uma taxa de lucro bastante mais baixa, e um cliente sujeita-se a multiplicar várias vezes o custo do design na implementação e comissionamento do projeto.
Existem também clientes apressados por puro capricho, mas isso resolve-se solicitando inputs com a mesma urgência. Se a pressão é genuína, retorna. Se não é, é porque tudo pode esperar.
8. O cliente põe a mão no meu trabalho
Contra-argumento: Quem é que o permite?
Em conformidade com o ponto dois, quando um cliente começa a desenhar é porque lhe foi dado espaço para o fazer. E esse espaço só se fecha se a solução do profissional inibe a intrusão. Nós participamos quando sentimos que o outro está ao nosso nível, ou porque a sua resposta é vazia de sentido.
9. O cliente destruiu o meu desenho
Contra-argumento: O projeto era sustentável?
Dois pontos em relação com esta queixa. Primeiro, suprimir esta questão do ME destruiu, o MEU projeto. Para além da ilusão autoral, existe uma razão puramente técnica: um designer deve analisar as suas propostas antes de as apresentar aos cliente, percebendo se elas são adequadas. Mas isto exige desprendimento, desapego e a capacidade analisar o trabalho como se lhe fosse alheio, criticando-o de forma justa. Isso significa que deve aprender a distanciar-se do objeto rapidamente. Se acha que a peça é como um filho, dificilmente o poderá fazer.
O segundo, tem a ver com a viabilidade do projeto. A maioria dos manuais de normas nunca são completamente implementados. Será porque uma conspiração dos malévolos clientes pretende combater o bom design, ou antes porque esses manuais não comtemplam a realidade da organização e são, de fato, inaplicáveis? A maioria dos projetos «destroçados» pelos clientes, são-no devido à tentativa destes de os adaptar – ainda que desajeitadamente –, às condições reais não previstas pelo designer.
10. O cliente não compreende o valor do design e regateia o preço
Contra-argumento: E o designer, compreende-o?
Sobre este assunto, apenas um parágrafo em forma de questão: Apesar de repetir vezes sem conta que o design é estratégico, quantos designers podem realmente demonstrar, com argumentos e números, o impacto real do design num determinado negócio?
Sobre o regatear: a compreensão do caráter estratégico é independente do preço. Um cliente pode entender perfeitamente a importância do design na sua estratégia de negócios e ainda discutir o preço, como faria qualquer um de nós.
Ultimamente tenho visto imensos métodos de orçamentação, mas não vejo nenhum que contemple, como de costume, o outro lado. Um orçamento não é feito de forma unilateral, considerando os meus gastos e minha margem de lucro. Terá de considerar também a negociação que tem a ver com os modos comerciais do cliente.
Por fim, a mãe de todos os lamentos:
A universidade preparou-me mal para o mundo real
Contra-argumento: Dizia Oscar Wilde que depois dos vinte anos cada um tem a cara que merece.
Formação de base ou conhecimento prático aplicado? Esse é o dilema de todas as universidades do mundo em todas as carreira profissionais. Metade dos alunos queixa-se de não ter recebido background suficiente enquanto que a outra metade se queixa de não ter aprendido conhecimentos técnicos práticos. Nenhuma universidade conseguiu, até agora, resolver este dilema e, na verdade, elas não têm de o resolver. Ninguém é profissional só porque acabou a faculdade. Só será profissional quem trabalhar duro e tiver sorte alguns anos mais tarde.
O caminho que garante o respeito e a confiança dos clientes e nos posiciona como profissionais, é feito de formação e aprendizagem ao longo da vida. Para aprender só é necessário humildade e desconfiança. Mas essa desconfiança não é relativamente aos outros, mas sim sobre nós mesmos, sobre os nossos preconceitos e a nossa tendência de atirar a culpa para cima dos outros.
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