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O design-ego, ou a besta que devemos combater.

Juan Carlos Darias, autor AutorJuan Carlos Darias Seguidores: 96

Abc Design, tradutor TraduçãoAbc Design Seguidores: 23

Durante toda a minha vida profissional, tive que enfrentar, de uma maneira ou outra, distintos dilemas que afetaram meu desempenho profissional. Muitos deles tinham —ou têm— a ver com a minha maneira de perceber as coisas, inclusive o próprio design, a partir da minha perspectiva. Outros vieram do fato de que o meu trabalho é fundamentalmente avaliado pelo meu círculo de colegas e companheiros de trabalho —designers, evidentemente—.

Esses problemas sempre estiveram relacionados com um conceito abstrato ao qual chamamos de ego, uma parte do ser humano —do eu— que determina muitas das nossas atitudes profissionais e que, em certas ocasiõnes, serve de ferramenta para superar obstáculos para chegarmos a um ótimo desempenho profissional (talvez este com mais frequência).

Desde que eu era estudante, quando iam criticar uma das minhas propostas ou trabalhos de design na classe, imediatamente eu me colocava num estado de tensão, de alerta defensivo, para escutar cada opinião com atenção, mesmo sem visar ou refletir sobre o que me seria dito. Eu ficava à espera do prêmio: uma crítica positiva e bajuladora, porém conforme ao meu talento e esforço; ou do castigo: a crítica negativa, uma situação injusta e não merecida logo de cara.

Esse panorama se repetia —com algumas diferenças— entre quase todos os meus colegas da faculdade. Só que nem nós, nem nossos professores, entendíamos as consequências que essas críticas teriam no nosso desempenho profissional no longo prazo.

Infelizmente, acho que somos parte de um sistema que tem insistido em nos formar para um «personalismo» mal orientado, que nos preparou para pensar sempre «no que dirão» sobre o que fazemos e como enfrentamos isso, e não para escutarmos e assimilarmos com atenção à crítica e muito menos para  a autocrítica.

Não é só a opinião dos outros que nos preocupa, mas também nos empenhamos em manter —dentro de nós— a ideia de que somos, num sentido quase absoluto, únicos, especiais, infalíveis e exclusivos no nosso meio profissional. Por isso, geralmente, nos colocamos numa posição de quem está além do bem e do mal: nos recintos destinados só aos deuses, não no Olimpo, mas no design.

Na opinião de muitos colegas, ninguém entende as particularidades da profissão com o mesmo «dom especial» como nós mesmo, então como podemos estar errados?!

Em um desses muitos encontros que frequentemente apoio com outros designers, um deles opinou na frente dos presentes sobre um assunto relacionado a algum fundamento do design que estava sendo discutido. Ingenuamente, falei que, sim, respeitava sua opinião, mas que não concordava com seu ponto de vista. Quem dera eu não tenha feito esse comentário! Imediatamente ele começou a praguejar para o céu, para todo mundo e especialmente para mim, falando de como sua opinião era a mais pura verdade, que não havia argumento contra ele e que «estava com razão e ponto final». A reação dos presentes, claro, foi de surpresa e preocupação. No entanto, esse tipo de atitude parece ser cada vez mais frequente. E esse é apenas um exemplo de como estamos alimentando durante anos esse enorme monstro chamado ego.

Para Segundo Freud, o ego é o «princípio da realidade», é consciente e tem a função de comprovar essa realidade, assim como de regular e controlar os desejos e impulsos provenientes do «Eu». Sua tarefa é a autoconservação e, por isso, usa todos os mecanismos psicológicos de defesa. Em princípio, não penso que esse conceito abstrato seja intrinsecamente negativo, mas também não acredito em falsa humildade. Acho que o problema está radicado no contexto específico da nossa vida profissional, em nos deixarmos levar por esse ego e não sabermos controlá-lo.

Conversando por meio do Facebook com um amigo que se mudou recentemente para os Estados Unidos, lhe perguntei como estava enfrentando a crise econômica e como ela o estava afetando. Ele me respondeu que, entre outras coisas, havia aprendido a domar esse forte animal que vive dentro dele —o ego— porque as circustâcias o fizeram ficar mais humilde, a se adaptar melhor, a ser mais flexível... Enfim, ele está aprendendo a controlar o conceito que ele tem dele mesmo, sem, no entanto, renunciar a si mesmo.

Como profissionais, constantemente temos que enfrentar a crítica, por isso é nossa obrigação estarmos preparados, entendermos que não trabalhamos para nós mesmos e que, muito menos, nossas criações são para nós mesmos. Muito pelo contrário, criamos para um cliente com problemas específicos na área visual e que espera soluções específicas para seu problema. 

Creio que é fundamental aprender a testar, revisar nosso trabalho, estabelecer mecanismos de comparação e verificação amplos e idôneos. Não é possível, nem aconselhável, que impere nosso critério na hora de oferecer respostas e soluções. Não se trata de atacar nosso talento ou aptidão, mas devemos entender que, por maior que estes sejam, não estamos livres da crítica e muito menos da possibilidade sempre presente de cometermos erros, condição, como bem sabemos, fundamentalmente humana.

Um bom amigo, um designer conhecidíssimo, fez uma série da cartazes para uma revista de comunicação visual e publicidade. Embora fossem geniais em quase todos os aspectos, não passava despercebido que nas artes ele destacou mais sua firma que até mesmo os donos da publicação. Esse tipo de situação, a meu ver, é um exemplo do mais puro «design-ego», que não deixa de influenciar nosso trabalho e, muitas vezes, se converte em uma negociação aberta dos próprios princípios básicos do design.

Lembro-me de uma história contada pelo excelente designer argentino Ronald Shakespear, numa conferência que pude assistir em São Paulo, sobre alguns pormenores relativos à preparação do mundialmente famoso ator Anthony Hopkins para seu papel no filme «Os Vestígios do Dia». Hopkins iria representar um mordomo, por isso marcou uma reunião com um autêntico mordomo inglês com a intenção que ele lhe desse as informações mais relevantes sobre como interpretar o papel de forma fiel. O encontro aconteceu, ambos falaram sobre vários assuntos amenos durante algum tempo e, ao se despedir, o conhecido ator perguntou com evidente interesse ao velho mordomo: «Diga-me, se é possível em que consiste ser um bom mordomo?». O senhor lhe respondeu, depois de alguns segundos pensando: «Quando entrar num quarto para servir, o quarto agora está mais vazio do que antes». Nunca tinha ouvido algo que definisse tão bem a função de um designer, pois, sem dúvida, o importante é o resultado final do trabalho e não quem o fez. Os méritos virão somente para os que exercem seu ofício com propriedade.

O design deve ser tão evidente cuanto isso, tal como o que é, como design, e não como o trabalho de fulano ou beltrano. O design serve fundamentalmente à função, ao seu compromisso com a practicidade. Ou então, nós designers, estaremos constantemente insistindo em contribuir com uma clara e aberta deformação do ofício que, em vez de se concentrar na busca por repostas e soluções adequadas aos dilemas da comunicação, se centrará na promoção de vedettes, de estrelas, cujo brilho ofuscará seu próprio trabalho.

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