A inutilidade da Arte
Ainda que se possam confundir facilmente, a obra de arte e o produto para o mercado da arte tem sentidos e objetivos muito diferentes.
AutorJoan Costa Seguidores: 2581
TraduçãoAlvaro Sousa Seguidores: 16
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Uma notícia publicada na imprensa (La Vanguardia, 12 abril de 2017, Barcelona) incentivou-me a escrever estas notas. Não pensava responder a quem, no FOROALFA, tem uma opinião contrária à minha. A liberdade de opinião é um direito democrático que respeito. No entanto, a notícia de hoje acabou por provocar a minha reação. É por isso que estou a escrever. O curioso é que a informação que vou comentar apareceu na secção «Cultura», quando deveria estar na de «Sociedade» —já que se trata da alta sociedade parisiense— ou na de «Economia», que é do que se trata, ao fim e ao cabo, com a desculpa de que é Arte.
A manchete:
«Jeff Koons e Louis Vuitton criam bolsas com ícones de arte do Louvre. O museu arrecada fundo cedendo salas para um ato publicitário da marca».
O destaque:
«Koons inspira-se em Tiziano, Van Gogh e Leonardo para as suas bolsas JK, que se vendem a 2.000 euros».
Na realidade, não há «criação» nas bolsas como objeto, nem há «ícones», mas sim simples fragmentos de obras famosas reproduzidas nesses objetos. Para além disso, Koons não «se inspira» nos grandes artistas, limitando-se a utilizar as suas obras. Manipula-as, ainda por cima, sobrepondo textos aos «ícones da arte»).
Transcrevo parcialmente a noticia:
«A 6 de abril de 2005 o Louvre disponibilizou a sala da Gioconda tendo, à noite, a Mona Lisa aproveitado a sua independência para receber e jantar com duzentos VIP’s: os talheres tilintavam pela primeira vez na sala 6 do primeiro piso da ala Denon do Louvre, a mesma onde se reuniam os deputados no reinado de Napoleão III. Desta vez, presidiu Bernard Arnault I (por ordem hierárquica é, com 41.500 millhões de euros de património, a maior fortuna francesa), que é quem, condizendo com o seu cargo, encabeça a dinastia. A sua filha, Delphine Arnault, diretora da Louis Vuitton —L y V de LVMH, a primeira multinacional do luxo—, anunciava ao mundo a sua nova linha de bolsas.
Mas porquê no Louvre e porquê neste espaço específico? É fácil de justificar: os museus de todo o mundo procuram financiamentos. O próspero sector do luxo oferece-os, a troco de prestígio. Ao recebeu a encomenda das bolsas, JK decidiu recorrer a colegas como Tiziano, Van Gogh ou à enigmática senhora italiana de Da Vinci, que aparentavam ser os adequados para ilustrar as bolsas. A partir de 28 Abril estarão à venda apenas nos 450 postos de venda da marca a cerca de dois mil euros cada unidade.
Pobre Van Gogh que apenas conseguiu um quadro durante toda a sua vida... e a Theo Van Gogh, seu irmão. Para além disso, existe ainda o cinismo de JK considerar como «colegas» os grandes mestres da arte».
A «funcão social»(?) da Arte
A Arte é inútil. Com um quadro não se pode «fazer» nada mais do que o contemplar —ao contrário do que acontece com um produto industrial: uma bicicleta, uma batedeira, um cortador de relva ou uma panela de pressão—. No entanto, a Arte pode ser utilizada sem nenhum tipo de respeito para com o autor em proveito próprio de alguns iluminados, como Jeff Koons e Louis Vuitton. As senhoras mais ricas da alta sociedade adoram exibir e brilhar com as suas bolsas «cultas» e «artísticas» de apenas 2.000 euros, nas festas mundanas que frequentam. Para que os ignorantes compreendam, essas bolsas ostentam obras de arte com os nomes dos seus gloriosos autores escritos em letras gigantes. Olhem bem para esses objetos de luxo, que são o que mais se parece com anúncios grosseiros. São o anúncio do Poder e da Ostentação. Pura mercadoria. Onde é que está a Arte?
É óbvio que não estamos a falar de Arte, mas sim do «mercado da arte», onde pululam galeristas, leiloeiras e grandes fortunas. A economia e o marketing contaminaram-no completamente. Investir grandiosas quantias em Arte é um dos rostos do capitalismo especulativo: com o tempo a obra verá o seu valor crescer, assegurando lucros abismais.
Alguns princípios complementares
O designer industrial e o engenheiro projetam funções. No entanto a forma já não «segue a função», como era pretensão do ascetismo funcionalista.
O designer gráfico programa comunicações, desenham mensagens e conteúdos. Neste caso, a «forma segue a informação».
O artista não se ocupa das funções de informar ou comunicar. O artista não comunica nada. Expressa-se livremente. O espectador interpreta-o através da sua sensibilidade e da sua cultura. A arte existe para ser contemplada (prazer estético), para emocionar, interrogar, subverter a ordem, abanar as mentes conformadas, denunciar, refletir e, sobretudo, fazer sentir.
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