Sobre a música
Enquanto o som envolve o ambiente com a música, o design surge como uma polifonia de sentidos, uma alegoria da comunicação.
AutorLucas López Seguidores: 31
TraduçãoAbc Design Seguidores: 23
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O extraordinário efeito que provoca a música também promove inspiração durante o ato de fazer design. O sentido metronômico dos sons durante o processo de trabalho instiga nossa tarefa diária à configuração do design. Ou por acaso não existe uma relação intrínseca entre entrelinhas, espaços, formas e um possível plano/pentagrama junto às claves, os silêncios e as alterações? Existe, em minha opinião, uma relação íntima entre o racionalismo musical e projetual. Casualmente, o designer Karl Gestner define a noção de articular —essencial no meio gráfico— como um recurso expressivo que funciona de maneira automática: a melodia como sequência, como «composição».
O guru místico e compositor Gurdijeff, em seus ensinamentos, conta das aldeias da Ásia que se dedicam ao comércio têxtil. Nelas participam homens, mulheres e crianças que são divididos em grupos e hierarquias trabalhando todos na confecção de um mesmo tapete. Do começo ao fim, eles são acompanhados por música e cantos. Os tecedores manipulam suas agulhas, bailam uma dança especial e em sua diversidade os gestos de todos fazem um único mesmo movimento, seguindo o ritmo. Segundo o testemunho de Gurdijeff, «o design e as cores dos tapetes correspondiam à música e são sua expressão por meio da linha e da cor, de modo que os tapetes podiam muito bem ser considerados registros desta música, como sendo as partituras que permitem a reprodução das melodias». A experiência de música, dança e trabalho inspira e estimula a totalidade dos integrantes em seu conjunto, em um processo complexo de se explicar por meios lógicos e racionais.
No movimento artístico Fluxus (movimento que iniciou em 1960 e perdura até hoje. Trazia artistas de diversas áreas e países que organizavam palestras, concertos e performances), o pensamento musical do influente artista Joseph Beuys se envolveu com a complexa percepção tridimensional. É por isso que em muitos de seus objetos existe uma fluidez entre a interpretação visual e auditiva. Por outro lado, o compositor experimentalista John Cage (que foi um dos primeiros organizadores do movimento), influenciado pelo budismo zen, sustentava que a música é encontrada em todas as partes e o que importa mais ouvi-la que compô-la. (John Cage é um dos precursores da música eletrônica, conhecido por usar instrumentos fora do comum e por ter composto a música 4’33» que consistem em quatro minutos e 33 segundos de música sem uma nota sequer).
Revisando o catálogo Uma Longa História com Muitos Nós —Fluxus na Alemanha 1962-1994—, vemos que existiu um estímulo por interpretar visualmente aquilo que suas performances, concertos e improvisações musicais ditavam. Repassar as partituras retificadas, corrigidas ou destruídas, anotações ao azar, rasuras sobre todo tipo de suporte, palíndromos, epístolas, diagramas, colagens e experimentações com recortes diários, vinis riscados dialogando com escritos e poemas, livros com intervenções, objetos encontrados, caixas e arte-correio dos numerosos integrantes da Fluxus nos fala de uma clara simbiose entre imagem, design e música. Interessado em «todo tipo de vanguarda», o fundador, George Maciunas, estudou arquitetura, design gráfico, e teoria musical entre 1949 e 1954 e criou o coletivo a partir de seus anseios concretistas, espalhando a semente do flux-art (design, música e vanguarda) nos Estados Unidos, Europa e Japão.
As metáforas visuais e as associações de Steinweiss nasceram de tais sonoridades. Peças de grandes compositores como Petrouchka de Stravinski e Don Giovanni de Mozart o guiavam, inclusive nas pinturas que fazia em seu tempo livre. O designer Alvin Lustig escutava em seu escritório «selvagemente chique» a Hayhdn e Mozart complementando com Mark Warnow e o com de outras big bands. Lustig, cujo «bom design» se converteu em guia de arquitetura, moda e tendência de pós-guerra, sustentava que o lugar onde as pessoas trabalham revela seu estilo, diferenciado ao criativo daquele menos imaginativo a partir da configuração de um aspecto atrativo. Esta é uma das razões pela quais seus escritórios eram modernistas e funcionais, aproveitando espaços reduzidos com o uso de materiais transparentes e linhas verticais e horizontais.Com a música soando, o design começa a ser, existir, a cozinhar. «O homem contém a música em si mesmo» diz o livro Linguagem das Formas e das Cores (Goethe citado por Kandiski em «Do Espírito da Arte», 1910). É um começo de texto que reforça esta reflexão arriscada. No auge da profissão, o gênio pioneiro Alex Steinweiss (primeiro diretor de arte da gravadora americana Columbia, tido como inventor do conceito de arte para capas de discos) desenhou usando ferramentas como réguas, aquarelas, aerógrafos, tinta e papel, mas foram substanciais (além da companhia de seus gatos) os ditados de peças musicais como La Boeheme, de Puccini, Os Prelúdios de Claude Debussy e A Sinfonia n°2 de Brahms. Segundo Kandisnki «os músicos mais modernos, como Debussy, criam impressões aos poucos tomadas da natureza e transformadas em imagens espirituais por via puramente musical».
Muito tempo depois, aparece uma peça gráfica como a capa do single «Fine Time», do grupo inglês New Order (Peter Saville, 1988) que não poderia haver sido concebida sem o feitiço noturno de seus beats sonoros e seu pulso cardíaco, aquele que promove a pista de dança e passa sem escala para o tabuleiro do designer. O som inoculado no espírito gráfico da peça transmite o estado de ânimo pop e o mood da sociedade de consumo.
Por outro lado, o designer Sir Vaughan Oliver materializa respostas emocionais intensas em distintos planos, físico, emocional e mental. Para Oliver, a conexão com a música é visceral e íntima, e uma maneira de desfrutar o momento, deixando de lado a realidade mundana, o «aqui e agora». Segundo Oliver, «a música me toma, muda o meu humor e me leva a onde quer que seja. Quando assisto a um show, a música me afeta fisicamente e não penso racionalmente como a descreverei». As recorrências gráficas de Vaughan Oliver, suas texturas líquidas, suas enigmáticas imagens, a constante articulação entre tipografia e espaços e esse conteúdo escuro e labiríntico não só influenciaram a centenas de designer no mundo, como a 4AD (selo musical para o qual fez quase todas as capas, incluindo bandas como Pixies) foi por um bom tempo o estereótipo de música para designers. As associações cenestésicas que possuem suas peças gráficas descrevem à perfeição o campo dos sentidos, ligando harmoniosamente a vista o tato e, se dúvida, o ouvido.
O «oceano de sons» (precioso termo do crítico musical David Toop) opera como um médium da idéias no processo criativo e a rotina de trabalho. No entanto, o ato de projetar do suíço Niklaus Troxler se sustenta no padrão, estruturas e contrastes do jazz, a música que sempre soa em seu estúdio e que desde jovem o fez se envolver na cena, tanto organizando festivais como desenhando monumentais cartazes sobre o gênero. Em outro ordem, e finalizando a título pessoal é uma clara vantagem criar desenho com a fascinante Nico (Chelsea Girl,1967).
A voz distintiva e levemente gélida da esfinge terá sua resonancia no ambiente e na composição visual. No mesmo plano superior, sucede o mesmo com as paisagens ambientais para Aeroportos e Filmes de Brian Eno, sons que promovem uma aprendizagem, evidencian uma evolução e expanden a consciência (criativa).
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Bibliografía:
- Federico Monjeau: «La invención Musical», Paidós, 2004.
- Karl Gestner: «Compendio para Alfabetos, Sistemática de la Escritura», Editorial Gustavo Gili, 2003.
- Mirta Córdoba de Parodi: «Música y Terapia», Ediciones Indigo, 1998.
- Peter Saville: «Designed by Peter Saville», Emily King, 2003.
- Vaughan Oliver: «Visceral Pleasures», Rick Poynor, Booth and Clibborn, 2000
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