Os limites da Democracia questionados pelo Design

Preocupação com o uso político de bots e fakenews estavam entre os temas de mostra em Londres que misturou arte, design, ciência e tecnologia em mais de cem projetos.

Bruno Porto, autor AutorBruno Porto Seguidores: 39

Lucas Monteiro Rocha Faria, editor EdiçãoLucas Monteiro Rocha Faria Seguidores: 7

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Com curadoria de Rory Hyde e Mariana Pestana, a exposição The Future Starts Here aconteceu entre maio e novembro de 2018 no notório Victoria and Albert Museum, em Londres, buscando «identificar as sementes do futuro nas atuais práticas de design e inovação». A mostra multisuporte reuniu protótipos e projetos em desenvolvimento (de veículos autônomos e sistemas de criogenia ao espelho que detecta a fisionomia, e desta forma o humor, do usuário) e projetos realizados recentemente (como o prédio da nova sede da Apple na Califórnia, inaugurado em 2017, uma passarela construída em Rotterdam em 2011 através do sistema de financiamento coletivo, e um restaurante para pessoas que gostam de comer sozinhas). No catálogo que dialoga com a mostra (mais do que simplesmente a registra), os trabalhos estão divididos em quatro seções que representam esferas de impacto da tecnologia na nossa sociedade: Individual, Pública, Global e Pós-vida.

Na mostra, cerca de vinte projetos foram reunidos sob a égide da pergunta Does Democracy still work? («Será que a Democracia ainda funciona?»). A provocação partiu da constatação de que muitas pessoas não se veem representadas pelos atuais governos e sistema democráticos. Embora os curadores usem como exemplos de ‘nação dividida’ os contínuos protestos contra as ações segregacionistas e o discurso de ódio do presidente estadunidense Donald Trump e o referendo do Brexit - que em 2016 contabilizou 51,9% dos votos pela saída do Reino Unido da Comunidade Européia - isso se aplica também à América Latina. Entre os recentes exemplos, Jair Bolsonaro, canditado apoiador da ditadura, foi eleito presidente do Brasil com 55,13% (57,8 milhões de votos, 10 milhões a mais que o segundo colocado Fernando Haddad). Votos nulos, brancos e abstenções ultrapassaram 30% dos eleitores, o que pode corroborar a ideia da descrença no sistema democrático atual. Neste sentido, os projetos expostos discutem os limites da democracia hoje, enquanto apresentam sistemas alternativos que visam reconstruir a confiança dos governos ou empoderar os cidadãos.

Além de apresentar formas de aplicação de novas tecnologias para desafios transnacionais, como aquecimento global e migração em massa, a mostra incluiu também novas formas de tomadas de decisão e formatos digitais para dar vozes à opinião pública. É o caso das plataformas online criadas pela ONG britânica 38 Degrees que permitem a mobilização em torno das mais diversas causas (do banimento de pesticidas tóxicos a manutenção de bibliotecas comunitárias), ou o Pussy Power Hat, um chapéu de tricô usado por milhares de manifestantes da Marcha das Mulheres, realizada em janeiro de 2017 em Washington contra o presidente Donald Trump. O padrão de tricô open source (desenvolvido por Kat Coyle) foi disponibilizado para download gratuito, e o chapéu se tornou um símbolo mundial de solidariedade feminina. Em contraponto à estas iniciativas benéficas, vídeos e infográficos demonstravam como a Cambridge Analytics usa análise de dados e estratégias de comunicação para monitorar e influenciar eleições. Em uma instalação desenvolvida por Samuel Woolley e Alex Hogan, era possível dialogar com um Political Bot no Twitter e acompanhar como ele é capaz de influenciar a opinião pública nas redes sociais.

Entre os projetos de comunicação visual, destacaram-se as propostas finalistas apresentadas no referendo que o governo da Nova Zelândia conduziu em 2015-2016 para definir uma nova bandeira que refletisse o multiculturalismo, a independência e o crescente desenvolvimento daquele país, e o uniforme do Superciudadano («Supercidadão), utilizado em meados dos anos 1990 pelo prefeito de Bogotá Antanas Mockus para estimular a cidadania responsável de forma bem humorada. Outro projeto apresentado que questiona o conceito de »nação» foi o cartão eletrônico de residência do Governo da Estônia, que permite a pessoas de outras nacionalidades acesso a serviços online do país, como abrir uma conta em um banco ou mesmo uma empresa, visto que uma das tendências do século XXI é conduzir negócios online ou para clientes em outros países.

Um projeto ligado a democracia do conhecimento – e reunindo diferentes aspectos do design gráfico – estava na área intitulada Should the planet be a design project? («Será que o planeta deveria ser um projeto de design?»). Instigado pelo título da famosa canção de 1986 da banda Queen Who wants to live forever? («Quem quer viver para sempre?»), o Manual para a Civilização reúne atualmente cerca de mil e duzentos livros (o objetivo é chegar a 3500) considerados essenciais para se manter ou reconstruir nossa civilização. Em desenvolvimento desde 2014 pela The Long Now Foundation, a seleção inclui de clássicos da literatura à manuais técnicos, passando por obras de ficção científica, filosofia e quadrinhos.

Muito da exposição encontra ressonância no livro Visual Impact: Creative Dissent in the 21st Century (Phaydon, 2015), de Liz McQuiston, que analisa mais de 300 projetos de cartazes, marcas, produtos, pictogramas, quadrinhos, instalações e publicações desenvolvidas após o ataque de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas em Nova York. O livro relata como artistas e designers - dos globalmente famosos Banksy e Shepard Fairey a grafiteiros anônimos - abordam ou contribuem em casos como a Primavera Árabe, o derramamento de petróleo no Golfo do México, os diversos conflitos (e suas consequências) no Oriente Médio, as manifestações de 2013 no Brasil (Não são só 20 centavos, Não vai ter Copa), o ataque terrorista ao Charlie Hebdo e o avanço da extrema-direita no mundo, entre outras mobilizações, crises e desastres. O paulistano estúdio BijaRi está presente no livro com os lambe-lambes desenvolvidos em 2010 - e premiado em 2013 na 10ª Bienal Brasileira de Design Gráfico - para protestar contra a gentrificação e a predominância do automóvel nos espaços públicos de São Paulo.

O inebriante Design Museum londrino também dedica uma parte de sua exposição permanente ao tema. Servindo como uma introdução ao acervo do museu, a mostra Designer Maker User abrange uma ampla gama de disciplinas projetuais, da arquitetura e engenharia até o universo digital, a moda e o design gráfico. Entre os quase mil itens, estão expostos o símbolo da Paz, criado em 1958 por Gerald Holtom para a Campanha para o Desarmamento Nuclear; um cartaz para os protestos contras as armas nucleares de 1962 (da Ken Garland & Associates), em que o símbolo de Holtom é utilizado como se estivesse marchando junto a outros; e uma placa (com design de David Gentleman) usada nos protestos de 2003 contra a iminente invasão ao Iraque: nela, o sobrenome do então Primeiro-Ministro britânico Tony Blair é soletrado de forma propositalmente equivocada (liar significa mentiroso).

Seja através de uma abordagem histórica, como na retrospectiva do Design Museum, ou crítica, como na mostra do V&A e no livro de McQuiston, o impacto que o design tem na política vai muito além da identidade visual das peças de campanhas eleitorais. A ressignificação que o Partido Nazista deu à suástica budista em 1920 é talvez o mais triste exemplo de quão duradouro este impacto pode ser.

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Uma versão anterior deste artigo foi publicada em junho de 2018 no Blog da ADEGRAF – Associação dos Designers Gráficos do Distrito Federal.

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Desatinos em nome do Branding Repleto de equívocos lamentáveis em forma e conteúdo, o artigo de Beto Lima erra rude ao denegrir a imagem de uma associação profissional.

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