O desenho está perdendo valor?

Com os anos o desenho se tornou mais reconhecido, ainda que não necessariamente mais valorizado.

Carlos Ávalos, autor AutorCarlos Ávalos Seguidores: 48

Ana Bossler, tradutor TraduçãoAna Bossler Seguidores: 71

Esse artigo se dirige àqueles desenhadores que percebem que nos últimos tempos, não os estão escolhendo pela qualidade do seu trabalho, mas pelo valor dos seus honorários; e àqueles que, por uma razão ou outra, foram obrigados a submeter suas ideias à consideração sem receber nenhuma remuneração em contrapartida, - leia-se: participaram de concursos gratuitos. Também se dirige a quem sente que não tem tempo ou lugar profissional para usar seus talentos, já que são convocados quando quase tudo já foi dito e o que resta por dizer é o «tempo de entrega». Com certeza tem os que mantém com seus clientes uma relação de respeito mútuo e encontram reciprocidade na hora de estabelecer seus honorários profissionais: para eles felicitações e a sugestão que continuem fazendo as coisas como fazem. Com os que vivem outra realidade, quero compartilhar essas inquietudes e reflexões.

O desenho ao alcance

Em relativamente poucos anos, a oferta profissional de desenho se incrementou exponencialmente. As tarefas de desenho nas organizações se multiplicaram e hoje os desenhadores não estão restritos às agências de desenho, estão presentes também nas agências de publicidade; em quase todas as organizações grandes estão presentes escritórios de desenho cativos; a imprensa tem desenhadores, assim como muitas dependências de Estado e ONGs. O desenho gráfico se converteu em uma profissão necessária e ao alcance de todos. Entretanto, a insatisfação que tenho notado e comprovado com aqueles os quais troco opiniões, se dirige não tanto à profissão em si, senão ao espaço que os desenhadores ocupam dentro das organizações. Longe de renunciar à vocação ao desenho, muitos sonham em alcançar mais reconhecimento pelo trabalho que desempenham, já que percebem com clareza os ganhos que ajudam a obter, mas que não se traduzem nem em uma melhor posição dentro do organograma de decisões nem em melhor remuneração.

Uma hipótese que venho trabalhando é que o desenho está se convertendo em commodity. Commodity é um termo inglês para descrever um tipo de «Produto ou serviço que por sua ampla oferta gera menor margens de lucro e diminui a importância de outros fatores exceto o preço».1 Os baixos salários que recebem os desenhadores, a ampla oferta profissional do mercado, a predispoisção em trabalhar com margens  estreitas, a exclusão dos altos escalões de decisão organizacional e a tendência das organizações em em avaliar os desenhadores segundo um «tarifário» — no lugar do talento — apresenta um contexto que poderia ter o commodity.

Essa situação não se repete em todos os o lados nem em todos os casos. Pelo contrário, as marcas e organizações mais transcendentes do mundo tem o desenho como ferramenta estratégica, sabem que a criatividade e a transformação qualitativa que oferece a profissão os torna melhores e mais competitivos. Tanto é assim que não é surpresa ver profissionais do desenho sentados à mesa da direção ou presentes na hora de projetar cenários futuros.

Antes e mais em cima

Há um ano me deparei com um artigo de uma revista especializada em comunicação visual o qual falava da relação inversamente proporcional entre honorários profissionais e ponto de entrada de um projeto. O autor sustentava que quanto mais tarde o desenhador entra a participar de um projeto, menores são os honorários que recebe. Ao contrário, se remunera consideravelmente mais por participar das etapas de gestação que da implementação. Simplificadamente, falamos da diferença entre aporte intelectual e técnico. Nas etapas iniciais, os presentes costumam pertencer aos escalões superiores do organograma, enquanto os da etapa de implementação 

Nas etapas iniciais, os presentes costumam pertencer aos escalões superiores do organograma, enquanto os da etapa de implementação, o controle da gestão se encontra nas mãos de pessoal cujo interesse é cumprir com datas de entrega e assegurar-se que os custos do projeto sejam respeitados. Quando o desenho se faz protagonista da estratégia de organização, costuma estar presente na primeira etapa, quando é simplesmente uma ferramenta técnica, aparece no último momento. Curiosamente essa situação estava ilustrada com um gráfico que mostrava uma curva que descendia de noroeste a sudeste, sendo o ponto noroeste o lugar de maior rentabilidade.

A partir disso, iniciei um processo informal de indagação entre clientes e colegas sobre essas experiências de managers com desenhadores e vice-versa. A ideia atrás da consulta era entender que habilidades, talentos e saberes necessitam os desenhadores para estar no início da conversa, para assim participar dos projetos na qualidade de «cérebro» em lugar de «mouse». Com algumas diferenças menores — e a limitação inerente ao tamanho da amostra — ambos grupos reconheceram que em geral aparecem dois pré-requisitos:

  • Falar o mesmo «idioma».
  • Responsabilizar-se pelos resultados

Paradigmas em conflito

Apesar de que executivos e criativos vejam o mundo desde óticas díspares, ambos coincidiram em ressaltar- sobretudo os primeiros- a importância de se falar o mesmo idioma. Essa definição se refere, a grandes rasgos, a duas dimensões: em primeiro lugar ter uma compreensão acabada do rumo estratégico da organização e a segunda a habilidade de gestão interpessoal

Nessa instância se espera que o desenhador — a parte de seu aporte criativo e de sua visão original — tenha plena consciência da organização para a qual trabalha: suas necessidades a curto e médio prazo, seus objetivos de longo prazo, sua estratégia de marca, seu entorno competitivo e suas fortalezas empresariais. A partir dessa posição, as sugestões e aportes que fazem o profissional do desenho são tomadas com respeito, dado que fazem com conhecimento de causa. Por sua vez, quando se ignoram os valores da organização- e da marca- ainda as boas contribuições são suspeitas de serem incoerentes.

Como segunda premissa surge a demanda por uma maior destreza na gestão interpessoal — o que terminou por se resumir como a habilidade de se por no lugar do outro —. Nesse caso, se trata de entender o marco filosófico e psicológico dos que administram as empresas. O que para alguns é o centro de sua experiência de vida, para o outro é uma tomada de risco na qual se pode perder o trabalho. Os desenhadores vivem com entusiasmo a possibilidade de modificar o status quo e assim transformá-lo em algo que consideram melhor, otimizado. Ao contrário, os gestores das organizações não olham com bons olhos la incerteza, já que toda a originalidade tem um final incerto; como diria Roger Martin, olham o futuro através do espelho retrovisor. O novo, o diferente, o caminho ainda não recorrido é para o desenhador algo que motiva no nível profissional e emocional. Para um gerente de marketing é um cenário que lhe põe nervoso. Entender essa circunstância e ajudar a visualizar o original como oportunidade em lugar de ameaça é uma habilidade que se deve desenvolver.

No caminho de uma maior maturidade profissional

Um elemento recorrente é a demanda por «realismo» aos que praticam o desenho e a criatividade. Nesse sentido o realismo significa duas coisas: fatibilidade e responsabilidade.

Ideias que não chegam à implementação tal qual foram concebidas são episódios reiterados na histórica relação entre managers e desenhadores. Os níveis de frustração que esses resultados geram estão em relação direta com as consequências profissionais que recaem sobre o responsável pela empresa, fazendo com que para o próximo projeto se aumentem os níveis de controle e se diminuam os espaços para a liberdade criativa. Sabemos que esse desenlace não é inevitável nem necessariamente recorrente, mas na minha opinião é necessário fazer uma virada nos termos emq ue se define nossa responsabilidade.

O desenho estratégico não deveria estar preocupado somente com o que se entrega ao se concluir o projeto, mas também pelo resultado final que obtêm a organização pela qual são contratados. Se aceitam essa premissa, pode-se dizer que não se desenham logotipos: desenha-se lealdade de marca ou sentido de identidade; não desenhamos páginas web se não experiências de usuário, não desenhamos cartazes políticos senão intenções de voto. Mudar o foco não implica abandono da riqueza criativa que aporta o pensamento intuitivo. Pelo contrário, aumenta o desafio, porque o que está em jogo não é somente o produto do nosso talento e da nossa imaginação, senão também suas consequências. Ter responsabilidade dos resultados que nós mesmos geramos é assumir uma responsabilidade que traz boas recompensas.

Iniciativa acadêmica

A partir desse contexto — e com o ânimo de promover o pensamento estratégico no desenho de marcas — com meu sócio, Guillermo Andrade e com vários professores Universidad Austral, começamos a desenhar um programa de pós-graduação exclusivo para desenhadores e comunicadores visuais.2 O caminho em direção de um maior recon hecimento profissional corre por nossa conta, os desenhadores, já que é nosso futuro que está em jogo.

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  1. Traduzido del Merriam Webster Dictionary.
  2. Ver PEEM (Programa de Estrategia de Expresiones de Marca) da Universidad Austral.

O autor é diretor do PEEM (Programa de Estrategia de Expresiones de Marca) da Universidad Austral.

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Retrato de Márcio Duarte Macedo
0
Ago. 2013

Muito bom o artigo, mas os termos «desenho» e «desenhadores» seriam melhor traduzidos como «design» e «designers», respectivamente. É necessário fazer a distinção.

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